A natureza lírica e artística de Okami anda sendo mais necessária do que nunca
Mais de uma década depois, talvez a coisa mais memorável sobre o jogo Okami seja a maneira como a cores fluem para onde quer que você vá. Lançado em 2006, pelo agora já falecido Clover Studios, o jogo era estrelado por uma loba-deusa chamado Amaterasu, que habita um mundo inspirado no famoso estilo de pintura sumi-e, a “aquarela” japonesa.
A folclórica paisagem na qual Amaterasu se encontra, entretanto, está morrendo – vazia e sem cores. O selo que prendia o demônio de oito cabeças Orochi foi rompido para que ele semeasse o caos, e ao fazer isso ele tornou tudo literalmente preto e branco; o mundo se tornou uma pintura efetivamente sem brilhos ou nuances.
As cores começam a voltar quando você ajuda o povo do Japão a lutar contra Orochi. Elas explodem vindas de Amaterasu, que na crença shinto do Japão é o espírito do Sol, um avatar da luz e da vida – e preenche a paisagem por onde passa. Flores saltam do chão.
A terreno pastoral de Okami canta e se renova a cada vitória, e cada passo é sempre dado contra a maligna escuridão. É uma poderosíssima imagem de renovação e redenção – tão intensa quanto uma oração – e realmente desperta uma crença na bondade que ainda existe no mundo.
Agora, após uma longa ausência, o próprio jogo Okami foi renovado, atualizado para rodar nos consoles modernos e em PC’s. Para um jogo que vendeu cerca de apenas 200.000 cópias quando do seu lançamento, lançado apenas meses antes do colapso do estúdio que o criou, pode-se dizer que é uma ressurreição com um certa justiça poética.
Okami realmente merece um lugar na memória e na prateleira dos jogadores; entretanto, seu retorno é mais do que uma estratégia comercial. Meditativo e acalentador, é dedicado a uma crença descomplicada na beleza do mundo natural e no poder das pessoas de tornar o mundo um lugar melhor, o jogo é um bálsamo – um corretivo emocional nesses tempos tão agressivos.
Imagens e palavras
Para fazer justiça ao estilo de arte sumi-e, Amaterasu é, ela própria, uma artista, envergando um pincel mágico com a ajuda de um parceiro chamado Issun. Sua tinta mágica lhe dá influênia direta sobre o próprio mundo – uma pincelada pode criar uma intensa ventania, enquanto um grande círculo pode ser um meio de trazer a vida de volta para um mundo morto, em uma poderosa metáfora metalinguística sobre a relação da arte e da palavra com a percepção da natureza da existência – dizer que a vida e luz se sobrepõe as forças malignas do mundo pode ser um meio de, de fato, faze-lo.
Jogar Okami é um empreitada surpreendentemente criativa, usando os poderes de Amaterasu não apenas para redimir, mas também transformar o mundo, abrindo passagens, destruindo demônios, e invocando os poderes da natureza para te dar aquela força na luta contra as trevas.
Os criadores do Clover colocaram suas ideias dentro de uma estrutura familar de um jogo estilo 3D, como The Legend of Zelda. Okami tem uma abertura estreita para navegar e vários encontros limitados e masmorras que expandem partes desse mundo, criando, como em um jogo de Zelda, um senso lento de progresso e um abrangente senso de aventura.
Amaterasu intepreta o papel de uma deusa andarilha, estabelecendo o certo onde antes havia o errado, ocasionalmente parando no meio do caminho para ser indulgente com sua loba interior, uivando para a Lua ou cavando para encontrar alguma coisa que escondeu ali.
Talvez uma das únicas fraquezas de Okami seja sua duração – é um pouco longo demais, apostando de maneira arriscada em uma experiência de single-player tradicional, e pressionando um pouco além do ponto onde sua distinta mecânica de jogo perde sua aura mística. Mas, ao mesmo tempo, é de se insistir – cada momento nesse mundo é especial.
Os criadores do Clover Studio, que incluíam Shinji Mikami, da série Resident Evil; Hideki Kamiya, e um punhado de outras mentes que iriam criar games premiados ao redor do mundo, colocaram toda sua criatividade em Okami. Eles criaram uma obra-prima cubestimada e quase esquecida – o tipo de belíssimo trabalho que é criticamente aclamado, mas rapidamente esquecido.
Agora, de 2017 para cá, a boa sorte e o bom senso fizeram com que a distribuidora Capcom tornassem o jogo mais vastamente acessível do que ele jamais foi. Amaterasu estará aguardando, com sua volumosa causa branca ao vento, ansiosa para nos mostrar o caminho de um mundo que ainda vale a pena ser salvo.
Este artigo foi adaptado do site Wired!