Mighty Gunvolt Burst diverte, mas não surpreende
Enquanto a Capcom faz mistério sobre o futuro da franquia Mega Man nos últimos sete anos, é natural que outras equipes, inclusive compostas por seus antigos desenvolvedores, aproveitem esse espaço para tentar suprir a lacuna deixada não apenas pela série, mas por um estilo de jogo que possui uma das maiores fan bases da indústria.
E foi nesse cenário propício que as independentes Comcept, liderada por ninguém menos que Keiji Inafune, criador do mascote original, e Inti Creates surgiram quase ao mesmo tempo com jogos que aparentemente tinham tudo para cair nas graças do público.
Curiosamente, foi Inafune quem conseguiu fracassar ao tentar se manter fiel a própria ideia, lançando o mal sucedido Mighty No. 9, que caiu em desgraça de público e crítica após uma campanha no Kickstarter que de tão atrapalhada chegou a ser hostil. Por outro lado, o não tão ambicioso Azure Striker Gunvolt, lançado com muito menos barulho e exclusivo do portátil Nintendo 3DS, não brilhou, mas ficou longe de desagradar os apreciadores do formato.
Assim, as duas empresas decidiram unir forças para trazer ao mercado Mighty Gunvolt Burst, uma tentativa de recuperar a infeliz impressão que Beck, recém criado mascote de Inafune, deixou e ao mesmo tempo popularizar a figura de Gunvolt numa plataforma que está em destaque, o Nintendo Switch.
Adotando o estilo retro gamer, o título na verdade dá sequência a uma parceria que já existia em forma de bônus para os donos de 3DS que adquiriram o primeiro Striker Gunvolt. Originalmente chamado apenas de Mighty Gunvolt, o conteúdo era pouco mais que um teaser do jogo completo que vemos agora no híbrido da Nintendo, mas seu potencial já se mostrava capaz de tirar Beck do limbo – e lhe oferecer uma merecida segunda chance.
Desde o início, a primeira coisa a se notar é que toda inspiração para o level design veio justamente do jogo de Inafune, gerando um pessimismo imediato e inevitável. Porém, ao avançar, notamos que quem segura o bastão da liderança no projeto é a Inti Creates.
Seu trabalho foi capaz de redefinir por completo a imagem que tínhamos não só do protagonista, mas de todos os personagens e elementos do game, que aqui surgem remodelados e surpreendentemente capazes de conquistar o público com seu carisma, e despertar verdadeiro interesse no jogador.
É uma surpresa descobrir que os mesmo estágios que entediaram no falho produto da Comcept são jogados com prazer diversas vezes, respeitando o fator replay que é parte essencial desse modelo. E parte do sucesso se deve ao simples fato de que as mecânicas aqui funcionam.
Ao jogar com ambos os protagonistas, sentimos a solidez dos controles, consistência da física de cada cenário e, por mais que a ideia de enfrentar de novo os mesmo chefes não pareça atraente, todas as batalhas são justas e empolgantes, trazendo de volta a sensação de recompensa ao jogador por aprender a reagir ao padrão de cada um. Atacando e recuando no momento certo, a vitória volta a ser questão de habilidade – uma vez que o fator sorte foi eliminado junto com os super ataques, que faziam desses combates um tiro no escuro.
Personalidades distintas
Outro aspecto bem trabalhado nessa fusão foi a individualidade de cada personagem. Gunvolt e Beck tem jogabilidades consideravelmente diferentes e, ao invés de mascarar essas características para torna-los mais planos, seus pontos divergentes foram explorados ao máximo, criando um título que pode ser considerado quase como uma dupla aquisição.
Enquanto Beck tem no dash seu trunfo para derrotar os inimigos, Gunvolt usa majoritariamente sua pistola no início do jogo e vai tendo suas habilidades desbloqueadas aos poucos ao longo das fases. Essa forma equilibrada de lidar com a diversidade de cenários e inimigos – em relação ao jogo original – do protagonista irá agradar inclusive aos que o acompanham desde o 3DS.
E para que a progressão não fique desbalanceada nas duas campanhas, Beck também tem a chance de ganhar novos dashs que auxiliam tanto a mobilidade em sua evolução, que chegam a aproxima-lo de Mega Man X. Claro que ambos começam limitados ao básico de seus movimentos, podendo apenas correr, saltar e atirar, mas conforme vão desbloqueando gradativamente suas peculiaridades, a escolha de um ou outro torna as duas experiências completamente diversas e válidas.
No entanto, para que isso fosse possível, foi criado um sistema de customização um tanto complexo para a proposta, e que pode dividir os jogadores. Os ataques de ambos os personagens são modificáveis utilizando a combinação dos Cost Points (ou CP), adquiridos progredindo nas fases com itens secretos que desbloqueiam novas possibilidades.
Desde o tamanho das balas, passando por sua força, velocidade e trajetória, tudo pode ser não apenas alterado, mas combinado de forma a gerar um leque imenso de possibilidades. Alguns tiros por exemplo, podem ser explosivos ao tocar nos inimigos, mas caso o jogador opte por diminuir muito seu tamanho e acelerar sua velocidade ao máximo, teremos uma sequência de pequenas explosões aéreas, que irá causar um certo impacto de destruição ao longo do caminho. E, embora menos agressivo, ele será abrangente a ponto de funcionar quase como uma nuvem de proteção, caso o jogador invista seus pontos no circuito certo desses tiros.
Mas se por lado esse sistema oferece ao jogador uma liberdade e poder de decisão inéditos em um tipo de jogo que é essencialmente um platformer, é justamente essa simplicidade que ele rouba dos mais puristas. O tempo que se passa no pouco intuitivo menu fazendo modificações, e balanceando os CP de modo que se harmonizem com o custo de cada upgrade para resultar no ataque perfeito, contra determinado estágio ou chefe, nem sempre é o que se busca numa experiência que deveria primar pela agilidade.
E, longe de ser um mero apelo aos jogadores que valorizam personalizações, essa parte do jogo é imperativa para o sucesso da campanha, ao menos do ponto de vista de quem busca entretenimento casual. Confesso que meu alívio ao perceber o dinamismo do combate foi em parte ofuscado pelos vários minutos que perdi calculando o custo benefício de tirar ou colocar meus CPs em determinado perfil de ataque, quando só o que eu queria era usufruir de uma partida rápida no modo portátil do Switch.
Por outro lado, é interessante ver o quanto cada combinação é única, e entrar em algumas fases percebendo que você “acertou” o perfil ideal de seu personagem para lidar com ela pode ser um bastante gratificante. Na verdade o jogador que tiver muita paciência, pode inclusive anular por completo o alto nível de desafio oferecido pelos desenvolvedores, desde que dedique tempo suficiente ao “puzzle” ideal para cada customização.
Claro que o inverso também vale, e os mais impacientes se verão em apuros ao confrontar os chefes mais difíceis com um equipamento mais próximo do básico. Nesse aspecto, aliás, o sistema impacta o gameplay não só de acordo com o perfil daqueles que gostam de brincar com possibilidades únicas para seu personagem, mas serve também como forma de ajustar o grau de dificuldade na medida em nos que dá chances de burla-la – ou permanecer naquele patamar tão old school quanto frustrante que agrada alguns dos fãs do Mega Man original.
Não fosse a falta de praticidade, e enorme quantidade de sub menus capazes de transformar num problema pequenas modificações que deveriam ser orgânicas, esse sistema poderia ser entendido como uma bela solução para agradar diferentes perfis de jogadores.
Potenciais não explorados
Outra ideia cujo completo desenvolvimento parece ter ficado pelo caminho é o Burst, que inclusive dá nome ao jogo. Tal explosão nada mais é que derrotar um inimigo quando se está muito perto dele, e, apesar do incentivo em texto para que façamos combos desse ataque em sequências cada vez maiores, não há razão que nos recompense a agregar mais essa dificuldade ao gameplay.
Os desenvolvedores parecem ter esquecido que o sistema de pontos, única forma de medir a evolução dos combos, já deixou de se fazer relevante há muito tempo na vida dos jogadores modernos. Ainda mais levando em conta que o score de cada fase não pode nem mesmo ser submetido a algum tipo de rank on line, iniciativa que poderia estimular a competitividade.
Mais curioso ainda é o fato de ser possível zerar o game sem realizar um único Burst, sem que tal “falha” seja ao menos perceptível. Claro que na maioria dos jogos existem ações e movimentos dispensáveis, porém levando em conta o tempo que o jogo toma na introdução para destacar a importância das explosões, bem como o fato desse movimento ser parte do título, no mínimo estamos diante de uma incoerência.
E mesmo ela sendo irrelevante diante do que é oferecido como um todo, ainda assim nota-se o desperdício de uma feature que poderia acrescentar originalidade a campanha.
Seria fácil cair na armadilha de dizer que Mighty Gunvolt Burst é tudo que o antecessor No. 9 deveria ter sido, porém isso seria nivelar por baixo o legado de uma franquia da proporção de Mega Man. Sim, esse crossover é bastante divertido, e o fator replay gerado pela individualidade dos protagonistas, e suas customizações tem tudo para consumir até mesmo dezenas de horas dos jogadores que buscarem completar 100% de suas possibilidades.
Porém, como todo fã de Mega Man, ainda espero por um jogo bem trabalhado em todos os seus detalhes, que seja capaz de mostrar a que veio a ponto de reconquistar fãs, e atrair as novas gerações para esse estilo ao mesmo tempo simples, carismático e viciante. E olhando por esse ponto de vista, as duas empresas ainda tem muito o que aprender.