Gravity Rush 2 entrega muito mais do que prometia
Quando a sequência de Gravity Rush, considerado por muitos o melhor exclusivo do PS Vita, foi anunciada apenas para a plataforma de mesa da Sony, os fãs tiveram a prova definitiva do abandono do console pela empresa. Por outro lado, a perspectiva de poder controlar a protagonista Kat em um mundo aberto – agora sem as limitações do portátil – acendeu o hype daqueles que terminaram o primeiro título ansiosos para preencher suas lacunas de enredo, e experimentar mais plenamente a liberdade de seu universo. Essa era a expectativa sobre Gravity Rush 2.
A premissa do jogo era simples. Nele, controlamos uma jovem com amnésia, que acorda na fictícia cidade de Haskerville. Logo que um gato começa a segui-la, ela percebe que sua presença lhe dá poderes para controlar o eixo de gravidade a sua volta. Notando que o lugar está sob ataque de monstros e tempestades gravitacionais, ela decide usar seus poderes para ajudar os cidadãos a reconstruí-la.
Em cima desse argumento o primeiro Gravity Rush construiu uma narrativa muito bem roteirizada em forma de HQ e apostou no carisma de seus personagens para entregar um jogo divertido e envolvente, porém cheio de pontas soltas que acabavam por comprometer a independência da obra.
Felizmente, sua sequência veio não só para responder as perguntas pendentes, como também para oferecer uma memorável experiência de gameplay. Com um estilo de arte em cell shading extremamente original – e mantendo as cores fortes e vivas que chamavam atenção na tela do portátil – sua estética é uma das mais belas já vistas em games que procuram simular a impressão de se estar assistindo a um anime.
Como a história começa exatamente do ponto onde fomos deixados na aventura anterior, é preciso cautela para não entregar toda a trama. É essencial dizer que Kat, a princípio, se encontra num ambiente desconhecido e sem seus poderes, precisando trabalhar como mineradora para a comunidade que a acolheu. Esse inicio é importante para apresentar o novo ambiente e suas desigualdades sociais. As primeiras horas de Gravity Rush 2 são bastante lentas, a ponto de nos fazer questionar o propósito das missões, onde muitas vezes os NPCs se limitam a usar Kat como “garota de recados” para atender propósitos pessoais.
No entanto, conforme avançamos, fica clara a profundidade da construção dos personagens, tanto principais quanto coadjuvantes, e a forma como o passo lento do começo se torna a base para construir os laços que levam o jogador a torcer pelo melhor – e se impactar profundamente com o destino de cada um no final da trama.
O Gameplay
No que diz respeito ao gameplay, temos um conteúdo extremamente variado, com missões que variam do stealth a ação frenética. De posse de uma máquina fotográfica, Kat agora pode ajudar a polícia a realizar investigações, trabalhar como ajudante da cartomante local nas horas vagas, ser dublê de atriz, e ainda atender a todo tipo de demanda, se envolvendo nas mais inusitadas situações sempre que chega a uma nova cidade.
O game é bastante bem humorado, com cena divertidas na medida certa. Porém, é importante lembrar que o estilo de humor é japonês, portanto temos uma gama de situações em Gravity Rush 2 que fogem do politicamente correto, como ajudar um idoso a conseguir fotos de beldades com pouca roupa, e colaborar para a prosperidade dos negócios de alguns habitantes de índole duvidosa.
O mundo cheio de ilhas flutuantes e organizado com base na inversão gravitacional onde se passam esses eventos é fantasioso, e na maior parte do tempo não se leva a sério, sendo preciso entrar na brincadeira para aproveita-lo. Mas apesar do clima descontraído, em alguns momentos o idealismo de Kat nos coloca diante de alguns dilemas muito pontuais, ainda que sem perder a leveza.
Conforme a viagem se expande e conhecemos melhor cada ilha fica claro que as mais ricas prosperam graças ao trabalho duro da maioria subjugada. Essa reflexão é conduzida de uma forma muito sutil e bem elaborada, de forma a deixar com que o jogador reflita sobre questões sociais como exploração humana, desperdício de recursos naturais e desmatamento, sem deixar que o game fique panfletário. Mesmo com a crítica social, em nenhum momento Gravity Rush 2 perde o foco, que é a jornada da protagonista para desvendar seu passado.
Em relação ao desafio, tanto da campanha quanto das atividades secundárias, recebemos outra grata surpresa vinda da Japan Studios e da Project Siren, responsáveis pelo desenvolvimento de Gravity Rush 2. Como se trata de um jogo de médio orçamento e visibilidade mediana, a equipe não apostou na fórmula da acessibilidade para garantir altas vendas e ofereceu um jogabilidade a moda antiga, sem muitas dicas de como realizar as missões.
Morrer é não raridade aqui, seja para chefes que exigem calma, habilidade e precisão para serem derrotados, ou em missões furtivas, onde fica a cargo do jogador descobrir o caminho correto a seguir sem ser descoberto. E enquanto isso não acontece, é possível ter que recomeça-las varias vezes, retomando o conceito de erro e acerto, que fez parte da formação de muitos gamers adultos.
Vale ressaltar que nenhuma dessas missões é injusta, e todas as rotas difíceis de descobrir, assim como inimigos ou missões de tempo mais complicados, são perfeitamente possíveis e apenas exigem do jogador paciência, lógica e domínio dos controles. É um jogo honesto, com missões e puzzles inteligentes, e que não nos forçam a adivinhar nada – apenas dedicar-lhes total atenção.
A única ressalva aqui é quanto a câmera, que já era um problema no original do PS Vita, e infelizmente não foi retrabalhado para a sequência. Em quase 40 horas de diversão, esse foi o único aspecto que considerei falho, e até irritante no jogo. Em muitas cenas de Gravity Rush 2 chegamos a ficar presos em ângulos impossíveis, ou temos nossa visão dos inimigos obstruídas por construções e árvores. Num dos chefes finais, cheguei a ter que encerrar o aplicativo porque fiquei travada no alto de um prédio, e nem o esgotamento do poder de controle da gravidade foi suficiente para me fazer cair.
Trilha sonora marcante
Já a trilha sonora é uma obra de arte inesquecível, e sem dúvida nos estimula a completar 100% da aventura, tendo também grande papel no fator replay das missões, onde é preciso bater seu recorde de tempo, e nas caçadas de tesouro on line. O compositor Kohei Tanaka usa como base o ritmo do jazz para criar faixas diversificadas e singelas, que marcam a personalidade de cada personagem e região visitada.
Algumas com letras simples e cativantes cantadas pela própria dubladora de Kat, e outras totalmente instrumentais, elas valem seu download e apreciação, mesmo depois de terminada a aventura. A Sony disponibiliza o álbum completo para aqueles que adquirem o game na PSN, e sem dúvida trata-se de um bônus imperdível.
Com aproximadamente 15 horas de duração na campanha principal – e bem mais que o dobro para quem busca o aproveitamento total – Gravity Rush 2 é um daqueles jogos que não recebem tanta atenção do público nem da crítica, mas tem muito a ensinar as grandes desenvolvedoras.
Juntas, Japan Studios e Siren criaram um mundo aberto, vibrante e envolvente em Gravity Rush 2, onde o jogador quer continuar por muitas horas seguidas, mesmo diante de seus desafios. Sentimos que vale cada segundo gasto para explorar as side quests cativantes, com roteiros e mecânicas independentes das missões da campanha, ponto onde muitos AAA falham gravemente.
Além disso, a atmosfera do jogo é extremamente positiva, criando uma sensação palpável de empatia e propósito enquanto se avança. Desde crises grandes como a exploração dos mais humildes, passando pela solução do problema de alcoolismo de uma família de classe média, até o drama de uma milionária para achar seu cãozinho perdido, o jogo vai mostrando o impacto da determinação e otimismo da protagonista na solução de todo tipo de dilema, sem julgamentos.
A fidelidade e consistência das personalidades de cada novo indivíduo – bem como dos que reaparecem do primeiro jogo – também impressionam, e deixam a mostra o comprometimento da equipe em entregar um trabalho sólido, no qual os desenvolvedores acreditam. Que títulos como Gravity Rush 2, mesmo dentro das suas limitações, sirvam de exemplo para produções milionárias, preocupadas demais em entregar visuais impressionantes e realistas, mas que não raro servem de casca para conteúdos vazios e negligentes.