Desde 2009, o mais famoso MMO da atualidade, League of Legends, angariou uma legião de fieis, como relatei no artigo Master-Baster – A repetição do arquétipo no entretenimento. Mas o fato é que eu precisava entender o porquê de aquele jogo babaca mobilizar tanta gente e tanta coisa em cima de um campeonatinho que é sempre mais ou menos… o mesmo.
Daí você se pergunta: “Como alguém pode se viciar nisso?” Esse mesmo que vos fala teve dificuldade em escrever tal artigo, já que alternava as horas vagas entre os presentes parágrafos e o tradicional: “Só mais uma, só mais uma!”
Como não poderia deixar de ser, os “Campeões” (como são chamados os personagens) são inspirados em diversos arquétipos e clichês de heróis e vilões de todos os tipos de universo fantástico. Da fantasia medieval à distopia cyberpunk, não faltam releituras de deuses egípcios (todos personagens do Egito fictício do game, Shurima), pretensas medusas e minotauros bonachões.
Assim como em games antigos cujas quizumbas entre os personagens faziam a gente conversar sobre eles nos antigos fliperamas, as histórias dos campeões de League of Legends muitas vezes se intercalam, gerando os dramas e relações – amigáveis ou não – entre eles.
Infelizmente, grande parte das melhores histórias está na página oficial e não aparece por completo no painel do game (ao menos, não na versão brasileira pelo que pude constatar). Mas, a despeito de certos personagens serem releituras de deuses egípcios, mitos gregos e outros bichos, muitos não passam de influências terciárias de personagens já conhecidos do panteão nerd, formando verdadeiros amálgamas e, portanto, personagens não tão “verdadeiros” assim.
Vamos conhecer alguns deles:
Ryze – Rasputin se revira no túmulo
Embora os personagens se dividam em seis classes distintas, sendo Mago uma delas, nem todos os que correspondem a essa categoria são necessariamente feiticeiros, mas Ryze se enquadra perfeitamente no postulado já que passa pelo mundo fictício de Runeterra coletando as chamadas Runas Globais, capazes de destruir o mundo embora tenham sido responsáveis pela criação do mesmo.
Seu estereótipo de barbudo careca e sua fisionomia parecem ter sido inspirados no lendário monge russo Grigory Yefimovich Rasputin, mas não em seu aspecto real, representado por Milo Manara e na série de animações do personagem Corto Maltese (La Cour Secrete des Arcanes, La Ballade de La Mer Salée, La Maison Dorée de Smarkand, Sous le Signe du Capricorne), mas na versão de Mike Mignola, em Hellboy.
Pra completar, a aparência Cristal Negro lembra muito o Senhor das Trevas, interpretado por Tim Curry em A Lenda.
Jinx – “Pega a metralhadora…“
Um primeiro olhar sobre a dita cuja faz uma personagem saltar à mente mesmo que você não seja um quadrinhólatra. Surgida em setembro de 1992 em Batman: The Animated Series (eleita por muitos a melhor série de animação do personagem, embora esse pastiche de ligne claire não agrade muito a esse que vos escreve), Arlequina é a personagem preferida inclusive como opção de cosplay por meninas que jamais leram uma HQ com sua participação.
Bandida ruim, Jinx toca o terror no território de Pitover, a Cidade do Progresso. Seu nome é uma gíria utilizada para passar o azar para outra pessoa; uma interjeição dita quando duas pessoas repetem uma determinada frase ao mesmo tempo. Aquele que exclama primeiro, se livra do azar. Está na cara – literalmente – a inspiração para a personagem, tanto em sua indumentária quanto em seus trejeitos tresloucados. Resta saber qual a sua motivação. Talvez a falta de um Coringa…
Nidalee – Te cuida, Jane
Alguns personagens têm a capacidade de serem metamorfos, quase licantropos, embora apenas um tenha a aparência de lobisomem. Ao passarem para a forma animal (com exceção de Shyvana, cuja metamorfose se dá no Ultimate Attack), seus poderes básicos (chamados de Habilidades no jogo) também se alteram.
Filha de caçadores, Nidalee assistiu seus pais morrerem de uma estranha doença enquanto caçavam tesouros na Selva Kumungu. Criada por pumas, a garota absorveu os poderes da mata e ganhou a capacidade de se metamorfosear em um deles, encarnando seu totem. Tirando a parte da metamorfose, sua história é semelhante tanto à de Tarzan quanto à de Mogli, o Menino Lobo, e sua metamorfose faria dela um representante da Raça Bastet, os licantropos felinos do RPG Lobisomem, O Apocalipse.
Zyra – “Porque eu sou… Hera!“
A “moça” é na verdade uma espécie de planta carnívora que devora animais e sua espécie dominava a Selva de Kumungu, onde os pais de Nidalee morreram. Com a escassez de caça, a aspirante à mascote de pequena loja dos horrores transferiu sua consciência para o corpo de uma bruxa que passava por ali e deu bobeira. À medida que ia degustando a feiticeira, Zyra adquiria suas memórias e, através da absorção de seus poderes, tornou-se o ser uno que conhecemos hoje: um corpo vegetal guiado por uma consciência humana.
Tanto o conceito quanto a história lembram muito concepção do Monstro do Pântano de Len Wein mesclada com as versões mais novas da Hera Venenosa. Fora que a transformação de uma classe de personagem em outra é como a da Ordem de Hermes que se tornara o Clã Tremere no universo Storyteller, de Mark Rein-Hagen. E sua skin Fogo Silvestre a faz parecer uma She-Ra do inferno.
Lee Sin – Operação Daredevil
Embora não tenha a função de Mago, sua história conta que já fora um renomado estudante de magia, quando, para testar seus poderes, resolveu evocar “uma fera das Selvas das Pragas“. O experimento deu errado e o que veio no lugar foi um garoto que, em sua forma semi-manifesta, caiu desfalecido ao chão. Pra completar o vilarejo do garoto havia sido destruído pela energia do ritual. Decepcionado e com a consciência pesada, Lee Sin se retirou para o Monastério de Shojin decidido a nunca mais praticar magia e um dia resolveu atear fogo a si mesmo, o que o deixou cego.
Seu nome é claramente inspirado em Bruce Lee, já que desfere golpes a la kung fu, mesclado com a palavra sin (pecado, em inglês). A evocação que deu errado lembra muito o início da saga de Morpheus, de Sandman. A destruição do vilarejo, o início da saga The Lost Canvas, dos Cavaleiros do Zodíaco, e a ideia de um personagem cego e bom de porrada se aproxima muito da concepção de Demolidor, principalmente em sua versão bardo, apresentada na série 1602, de Neil Gaiman. O que ninguém explica é como Lee Sin ficou cego devido às chamas e não possui nenhuma marca de queimadura. Coisas de monge…
Twisted Fate – o Wolverine-Gambit?
Pertencente ao povo nômade de Serpentine, Twisted Fate aprendeu cedo as manhas da jogatina, ludibriando a todos os que eventualmente o desafiavam para uma partida. Certa vez, alguns que perderam seus bens (nas noites de jogatina desenfreada que seu povo oferecia nas tendas à beira-rio) resolveram reaver ou usurpar o povo nômade, atacando seu acampamento na calada da noite. Com sua família em perigo, Twisted atacou com suas cartas energizadas e botou os maus perdedores pra correr. Mas, ao se dar conta, percebeu que seu povo e sua família o haviam abandonado e partido em suas naus, deixando-o com as roupas do corpo… e suas famigeradas cartas.
Não é preciso dizer em qual personagem foi inspirada a criação de Twisted, né, gente? Um outro X-men também faz parte de sua composição, a julgar pela barba e o chapéu que usa de vez em quando, além do apreço por bares. Assim como o atarracado mutante canadense, Twisted Fate também é o cidadão do balcão. Será que o antigo e extinto Longshot* o venceria numa partida?
*Antigo X-Men dos anos 90 cujo poder (além de ossos ocos) era uma sorte absurda.
Warwick – de que Tribo ele é, Rein-Hagen?
Caçador de recompensas a la lobo… ou melhor, de espécimes humanos para experiências, Warwick decidiu beber uma poção que o transformasse num caçador inigualável… Uma espécie de Mr. Hyde que atuasse como capitão do mato. O Dr. Jelyll responsável pela manufatura da poção foi Singed, o Químico Louco, e, para tanto, necessitava de três componentes para a resolução da fórmula: um pouco de prata da Ilha das Sombras, a presa de um lobo de Belafire e o coração de um ser celestial. Semelhanças com Hellblazer #66? Confira o artigo Os erros e acertos de John Constantine na TV!
Faltando apenas o último e mais difícil componente, Warwick viajou para Ionia atrás de Soraka, uma mina-unicórnio que vivia em um bosque encantado; uma espécie de Arcádia. Embora fofinha, a mina dá um sacode no exímio caçador, que volta desfigurado e disposto a beber a poção sem o componente essencial. Warwick se torna então um pseudolobisomem e, de tão bestial, não consegue mais manter suas encomendas vivas. Agora, ele precisa de qualquer jeito do coração de Soraka, para não sucumbir à besta dentro de si. Seu Ultimate Attack, lembra o Frenesi que facilmente acomete tanto lobisomens quanto vampiros e sua jornada para não sucumbir à besta, assemelha-se a esses últimos. Sua forma é a chamada Forma Crinos; todos elementos presentes no RPG Lobisomem, O Apocalipse. Duvida? Basta conferir sua skin Hiena, uma clara alusão aos Dançarinos da Espiral Negra, a tribo dos caídos do jogo.
Pequeno glossário do jogo:
Fidar – do inglês feed, alimentar. Quando você morre, ajuda o adversário a subir de nível.
Farmar – de farm, cultivar. É o ato de matar minions, (os pequenos soldados do jogo) para ganhar dinheiro e experiência, no melhor estilo hack ´n slash.
Bildar – de build, construir. Se resume na compra de itens durante a partida.
Upar – de up, é apenas subir uma Habilidade (como são chamados os quatro poderes básicos no jogo) quando o persongem sobe de nível.
Ultar – acionar o Ultimate Attack.
Ult – abreviação de Ultimate Attack, o maior poder de cada personagem, no jogo.