Arms é a Nintendo reencontrando seu velho estilo de ser – diversão de qualidade para família e amigos
Como todos que acompanham a Nintendo ao longo das gerações, assim que Arms foi mostrado pela primeira vez associei o título a uma tentativa de reviver a febre do Wii Sports Boxing, apenas adicionando uma roupagem mais carismática a um sistema de jogo que se tornou um fenômeno – apesar da sua extrema simplicidade. Ou talvez graças a ela.
Embora de fato seja possivel encontrar alguma semelhança, especialmente no sistema de esquiva e ataque por meio dos joycons, foi uma grata surpresa perceber, já nas primeiras horas do Testpunch – nome do beta liberado pela empresa antes do lançamento – que eu estava errada.
Aqui a Nintendo aposta numa fórmula de gameplay que há décadas é o segredo do sucesso da franquia Mario Kart, ao oferecer um jogo divertido e acessível a todos, porém estratégico e até bastante profundo para os que desejam realmente domina-lo. Contando inicialmente com dez personagens e dezenas de armas, que são na verdade seus braços e punhos – daí o trocadilho do nome – o jogo tem variedade e originalidade de sobra, além de uma grande dose de desafio.
Graças a um sistema de combinação quase infinito entre braços e punhos, é possivel customizar seu lutador das mais variadas formas. O protagonista escolhido define a mobilidade do corpo e extensão do braço, porém os 30 punhos, que podem ser todos liberados dentro de um mini game cujas moedas adquirimos progredindo no jogo, determinam o tipo de soco.
E para quem pensa que não pode haver muita variação em algo aparentemente tão objetivo quanto um jogo de luta, a Nintendo mais uma vez surpreende: Braços longos associados a punhos leves requerem uma visão mais furtiva do jogo, onde é possivel pegar o oponente de surpresa com socos quase impossíveis de desviar, porém fracos. Já os braços mais curtos, quando associados a punhos pesados, dão hits fortes, porém deixam o jogador mais vulnerável a ataques.
E como aqui tudo é possivel, se invertermos esse aparente “padrão”, usando os braços mais compridos com punhos pesados, teremos um set especialmente forte, mas que por outro lado exigirá um grande domínio da esquiva, e especialmente muita frieza e paciência para atacar na hora certa. Isso para não mencionar os diversos socos “especiais” que nos permitem congelar, queimar ou eletrocutar inimigos – e até mesmo voar por curtos períodos de tempo.
Diferencial Nintendo
É justamente nesse ponto que Arms se diferencia de tudo que já vimos em termos de jogos baseados em controle de movimento, pois a curva de aprendizado para manejar e contornar ambos os braços, ao mesmo tempo e em direções diferentes nada tem de aleatória. Sim, ainda é possivel jogar casualmente com aquela sua avó ou tia que nada conhece de games e ataca freneticamente, mas o core do jogo se revela quando exploramos a profundidade de suas possibilidades.
Caso o jogador fique preso a uma unica técnica, como o ataque direto por exemplo, seu oponente, seja ele um jogador on line ou mesmo a aguçada inteligência artificial do modo Grand Prix, irá encontrar meios de quebrar essa tática esquivando. Ou, ao contrário, um jogador que só sabe esquivar pode se ver em apuros ao enfrentar um oponente cuja maior habilidade seja “agarrar” os outros no ar, ou mesmo usar o ataque especial, já que por estar sempre se movendo ele não estará prevenido para defender.
E por falar em controles de movimento, Arms é um tanto versátil nesse ponto. Mostrando ter aprendido a lição com o afastamento do público “hardcore” do Wii, a Nintendo decidiu não se impor aos jogadores, sendo possível escolher uma forma mais tradicional de jogar usando o Pro Controller, o grip dos Joycons ou até mesmo seu par separado para dois jogadores no mesmo console. Apesar das diferenças aparentarem ser gritantes, a jogabilidade é incrivelmente balanceada, fazendo com que todas as formas sejam válidas e possíveis de se enfrentar entre si, sem prejuízo ao oponente.
Um dos aspectos mais interessantes e divertidos de Arms é o elenco de personagens. Eclético e cheio de figuras intrigantes, com estilos únicos e memoráveis, ele traz desde uma lutadora que tem braços de miojo e soco de dragão eletrônico (com direito a cuspir fogo), a um policial acompanhado de seu cachorro, que também ataca e parece saído de uma animação da Pixar.
Isso para não falar da menina com corpo de lata, e da modelo que tem braços normais, mas que concentra toda sua habilidade de luta nos cabelos. Impressiona a forma como cada ação deles reflete sua personalidade, seja na comemoração, derrota, ataque especial ou forma de andar.
Isso torna a escolha do jogador por seu main character não apenas uma questão de habilidade, mas de empatia. Esse aspecto do jogo, aliás, evidencia ao mesmo tempo grandes erros e acertos da Nintendo, pois se de um lado temos Ninjara desaparecendo no ar, a cantora Ribbon Girl dominando notas musicais para quase flutuar e o peculiar Helix, um homem DNA que de tão hilário e exótico se torna inexplicável, sentimos também falta da lore de cada um deles.
Justamente por serem figuras tão fáceis de se apegar, é difícil entender porque não foi inserido um background para cada um no modo Grand Prix, com um final que explicasse suas histórias de vida, como se tornaram lutadores, a razão das mascaras que todos usam. Ficam muitas perguntas no ar de um universo tão rico e aparentemente desperdiçado.
Até mesmo o carismático Biff, narrador das lutas que roubou a cena do primeiro Direct dedicado ao jogo, teve sua voz cortada na versão final, onde mal é notado – mudança que decepcionou boa parte dos jogadores.
Gameplay acima de tudo
Por essa postura fica claro que a equipe de desenvolvimento decidiu concentrar toda sua energia no gameplay, e é aí que Arms brilha de fato. Cheio de possibilidades on e off line, tenho jogado o título diversas horas por dia há semanas desde o lançamento, e a cada dia ele se torna mais empolgante.
O modo Grand Prix, que equivale ao Arcade dos jogos de luta tradicionais é bastante simples, porém apresenta sete modos de dificuldade gradativa e balanceada, onde tenho a chance de aprender a dominar os movimentos de cada personagem, e me aprimorar com ele até o dificílimo nível sete, que exige uma habilidade fora do comum.
Ainda no off line, há o modo versus, onde podemos jogar versões alternativas de jogos como basquete, vólei, tiro ao alvo ou fazer lutas individuais, tanto contra a CPU quanto contra um oponente jogando no mesmo console.
Há ainda um modo horda, onde após derrotar 100 oponentes comuns, é preciso vencer o grande boss do jogo, Headlock, um monstro que domina o corpo de um dos lutadores implantando nele uma cabeça com seis braços. Esse oponente tem diversos níveis de dificuldade, e jogar em grupo para tentar derrota-lo em todas tem sido uma das minhas experiências mais imersivas com multiplayer de sofá dos últimos tempos.
Mesmo com tantas opções, ainda é possivel notar que a Nintendo apostou no on line para garantir a longevidade do game. Dividido entre um lobby party, onde disputamos partidas aleatórias de todas as modalidades com oponentes diversos, e um modo ranking, onde a variedade dá lugar a sensação de progresso por subirmos de nível a cada partida 1×1 vencida, ambos são capazes de prender a atenção tanto de iniciantes quanto de jogadores mais experientes.
Muito bem balanceado, o modo ranking dá chance para que os novatos aprendam a jogar de forma não punitiva, pois a cada partida ganha a barra de level enche mais que o dobro do que é perdido na derrota. E, ao contrário de outros títulos de luta, só tive uma experiência de ser colocada em confronto com um oponente muito superior a mim. No geral, a empresa se preocupou em manter o equilíbrio de forma a não excluir ninguém da brincadeira.
Sendo assim, porque jogar o modo party após dominar as mecânicas do jogo? Nesse aspecto vemos uma lição de como manter 100% do seu conteúdo em aproveitamento constante, já que as engraçadas partidas de basquete, onde é preciso usar os braços para “agarrar” o oponente e joga-lo na cesta ou de vólei, onde a bola explode no campo do time que a deixar cair, só são encontradas nele. O modo conta também com partidas 4×4, 2×2, 3×3 e Headlock, onde muitas vezes o caos acaba dominando as arenas, e a tradição Nintendo de proporcionar diversão sem compromisso mais uma vez se destaca, e vence a seriedade da busca por progresso.
Ainda para evitar que os veteranos prejudiquem a diversão de iniciantes, há um sistema que conta nossas vitórias consecutivas, e vai retirando barras de saúde em quantidades que variam de 25 a 75% em função da quantidade de partidas ganhas. Se permanecer na liderança do lobby, o jogador é recompensado com muitas moedas, ao mesmo tempo que deixa os demais a vontade para enfrenta-lo de igual pra igual, mantendo o grupo balanceado.
E claro, aqui também não poderia faltar um modo friends, onde é possivel criar salas para combinar jogatinas a distância, ou mesmo buscar os amigos on line e através da opção “join” convida-los para um combate com regras customizáveis enquanto ambos estão conectados.
Experiência confiável
De fato a quantidade de conteúdo e opções impressiona – e não apenas pelo volume mas pela qualidade, inclusive dos servidores. O medo que costuma tomar conta dos jogadores quando a empresa é mencionada no contexto de serviços de rede pode ser abandonado em Arms. Em mais de 30 horas de jogo, não caí de nenhuma partida, em nenhum dos modos.
É verdade que achar um match no modo rankeado pode ser um tanto demorado, enquanto as salas party vivem lotadas, mas uma vez conectados os jogadores tem a tranquilidade de terminar a luta de forma justa, sem o risco de perder seu progresso por falhas dessa natureza. Ainda que mais de uma geração atrasada, a Nintendo parece estar finalmente encontrando seu caminho para oferecer uma experiência sólida e convincente.
Arms, assim como boa parte das propriedades intelectuais da Nintendo, foi pensado para proporcionar diversão e alegria, acima de qualquer análise mais séria. Trata-se de um conteúdo aparentemente non sense, que suga o jogador para seu mundo e oferece momentos de entretenimento únicos, se distanciando de qualquer gênero de jogo conhecido até então.
Com uma trilha sonora dinâmica e estilo gráfico vibrante, apostando em cores fortes e vivas, ele não é propriamente luta, estratégia ou humor, mas ao oferecer um pouco disso tudo cria um ambiente lúdico e peculiar com potencial para sobreviver facilmente por toda vida vida útil do console, sem que o jogador jamais sinta que teve o bastante do game.