Amos Gitai e a busca pelo realismo em Um Trem em Jerusalém
(Um Trem em Jerusalém ainda não tem data de estreia prevista em circuito comercial, mas está na 42º Mostra Internacional de Cinema)
Dirigido por Amos Gitai (resposável pelos ótimos Kedma e Kadosh – Abençoados) Um Trem em Jerusalém (A Tramway in Jerusalem) é um retrato sobre o cotidiano nos bairros palestinos de Shuafat e Beit Hanna na Jerusalém Oriental, até o Monte Herzl no oeste de Jerusalém, uma área de influência judaica.
Sob a ótica de um trem sempre em movimento, que pára apenas para embarcar os passageiros, Gitai nos leva a viajar por pequenas histórias carregadas a todo momento de questões políticas, sociais, culturais e religiosas. Isso através de uma estética comum e voltando-se para uma construção de narrativa verossímil, com diálogos triviais (que acabam por expor em seu contexto último conteúdos complexos) e uma fotografia representativa da realidade sem qualquer pretensão artística máxima, com imagens equivalentes a um documentário, com o propósito primeiro de registrar os conflitos e relações entre os personagens.
É exatamente nas histórias dos personagens que Um Trem em Jerusalém acerta com maestria. Entre uma parada e outra vemos, por exemplo, uma prostituta discursando para a amiga sobre as dificuldades do trabalho enquanto enfrenta o assédio por parte de um segurança do trem, pai e filho franceses viajando juntos como turistas enquanto questões políticas acabam vindo a tona, uma garota se despedindo do namorado militar que se dirige à Faixa de Gaza, palestinos enfrentando todo o tipo de preconceito a bordo do trem, etc.
(Confira as crítica de alguns outros filmes da Mostra: Em Chamas, Deslembro e Túmulos Sem Nome)
Movido a histórias
O interessante é notar que todas as histórias acontecem em horários e momentos diferentes, embarcando o espectador para contemplar um novo relato a cada novo personagem. É uma construção de relações humanas, embates e narrações diversas. Gitai utiliza-se de intertítulos para especificar a mudança de um horário ao outro, o que acaba, segundo uma interpretação específica, atribuindo um significado bíblico, como se as horas e minutos representassem capítulos e versículos de uma narrativa mítica bíblica.
Além do que já foi citado, é também importante destacar os conflitos existentes entre Israel e Palestina que, mesmo não mencionados em toda a projeção, aparecem de maneira subjetiva com os eventos que se desenrolam por todos os vagões e em todas as viagens para cada personagem.E o trem também acarreta significado narrativo. Partindo do princípio da velocidade do transporte, é como se os relatos e as histórias representassem a velocidade dos conflitos reais e a maneira frenética como a realidade (tomada muitas vezes por guerras) se apresenta diante dos nossos olhos.
Em suma, Um Trem em Jerusalém é uma colcha de retalhos de micro histórias multiculturais a bordo de uma máquina veloz que presencia um dos maiores conflitos da humanidade e que infelizmente persiste em nossa época atual.