O Regime Autoritário do Khmer Vermelho ganha as telas em Túmulos Sem Nome
(Túmulos Sem Nome não tem previsão de estreia em circuito comercial, mas está na programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema)
Entre 1975 e 1978, vigorou no Camboja o regime totalitário do Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot. Após a conquista da capital Phnom Penh e utilizando-se de um sistema de coletivização agrária, o governo colocou em prática a perseguição, a tortura e o assassinato de estrangeiros, intelectuais e opositores do regime. E é exatamente nesse contexto que o novo documentário de Rithy Panh, Túmulos sem Nome (Graves Without a Name), ganha vida.
Quem conhece o trabalho do diretor cambojano sabe que o regime totalitário assassinou sua família e o obrigou à procurar refúgio na Tailândia.Seu cinema é sua forma de militância contra as atrocidades cometidas em sua terra natal. Porém, desta vez, Panh partiu de uma premissa completamente diferente para realizar seu filme.
(Confira as críticas de outros dois filmes orientais que fazem parte da programação da Mostra: Assunto de Família e Em Chamas)
A trama gira em torno de um homem que perdeu a família durante um genocídio provocado pelo Khmer Vermelho e resolve voltar ás plantações de arroz de seu país à procura de respostas e também com o intuito de localizar os restos mortais de alguns familiares. Isso é apresentado por meio de uma narrativa mista de justiça e busca por paz espiritual não só do protagonista, mas também do próprio realizador. Há também a presença da espiritualidade oriental, com a utilização da figura de espíritos que vagam por suas casas destruídas tentando encontrar seus familiares.
Uma busca sem fim
O diretor tem especial cuidado com a parte visual de Túmulos Sem Nome. Há um belíssimo plano de uma esfera de cristal, que realiza uma inversão do plano material para o plano metafísico, além de belas sequências dos grandes campos de arroz. São elas que marcam a transição de uma entrevista para a outra dentro do documentário.
Orações e produções de artefatos simbólicos para os desaparecidos da tragédia dividem o espaço dentro do roteiro com depoimentos de sobreviventes do regime e várias imagens de arquivo,colocadas para o espectador por meio de uma câmera-olho. Colocar passado e presente lado a lado,faz lembrar uma referência imagética similar, o filme Noite e Neblina (1955), de Alain Resnais.
Diante das imagens e dos relatos que movem o filme, é empiricamente inevitável para qualquer brasileiro não fazer uma ligação com o período da ditadura militar brasileira. Assim como ocorreu no período do Khmer Vermelho, direitos humanos foram violados e os governantes esconderam seus crimes de todas as formas possíveis. Até hoje, centenas de pessoas buscam por respostas sobre o desaparecimento de seus entes queridos.
Com um epílogo arrebatador e tocante, Túmulos Sem Nome é sem dúvida um documentário sensível e intrigante sobre aqueles que desaparecem sob um regime nefasto. É o atestado do caráter persistente da memória de Rithy Panh para impedir que essas e outras histórias se repitam.