Qohen Leth é muito atormentado pela necessidade de deslocar-se de casa para o trabalho todos os dias. Sua vontade é que a empresa lhe permita o trabalho remoto na solidão de seu lar, para deixar de interagir com o mundo ao redor, desde o momento em que cruza a porta para a rua até a volta no fim do dia. Além deste desconforto, Qohen também está obcecado e ansioso para receber um telefonema, mesmo que ele não saiba quem ligará ou o que dirá exatamente. Como se isso não bastasse, o mundo deste antissocial crônico se situa em algum lugar do futuro, onde o bombardeio de informação visual poluidora é muito mais agressivo e invasivo do que se pode imaginar.
A presença de um personagem interessante como esse, vivido por Christoph Waltz com a competência habitual, não garante por si só a qualidade ou indicação do filme, logo, o conflito de O Teorema Zero está na busca daquilo que dá nome ao filme. O protagonista, que trabalha em alguma função que envolve seus talentos como hacker, consegue seu cargo remoto tratando diretamente com o excêntrico Gerente – interpretado por Matt Damon – com a tarefa de encontrar o tal teorema, depois de muitos antes dele terem fracassado. A trama também envolve a sedutora e misteriosa Bainsley, personagem de uma Melánie Thierry inspiradíssima, e o gênio adolescente e hiperativo Bob – Lucas Hedges, que tem as melhores falas – cada um contribuindo, de uma forma ou de outra, na complicada jornada de Qohen.
Parece confuso e sem muito assunto a explorar, mas o diretor Terry Gilliam, muito respeitado pelos fãs de Ficção Científica pelos distópicos – e ótimos- Brazil: O Filme e 12 Macacos, conseguiu novamente equilibrar uma avalanche de referências conceituais e visuais com uma história bastante interessante, trazendo metáforas deliciosas para aqueles que tem prazer em embarcar em narrativas não convencionais. O roteiro do estreante em longas, Pat Rushin, pode parecer existencialista demais pela sinopse, mas essa não é uma característica desagradável ou incompatível a uma boa FC, independente do que uma parcela do público possa pensar.
A partir de uma ambientação que remete ao caos futurista de Blade Runner, aliada a um desenvolvimento mais aberto a interpretações – embora, em minha opinião, com um recado final muito claro – Terry Gilliam tem a estrutura perfeita para exercitar o estilo que seus admiradores já conhecem, trazendo novos personagens desajustados, com direito aos ângulos inclinados expressionistas e uma fotografia destacando o colorido gritante das ruas, em contraste com a igreja incendiada em que o protagonista vive, cortesia de Nicola Pecorini, habitual colaborador do cineasta. Nada disso funcionaria sem o fantástico desenho de produção de David Warren, de A Invenção de Hugo Cabret e Sweeney Todd, que tornou crível esse futuro tão neurótico. Os leitores de HQ’s europeias terão um prazer a mais, pois vão encontrar uma relação estreita destas obras com O Teorema Zero, tanto no visual como na história.
Ainda que a comparação anterior com Blade Runner, mais a descrição geral da história, possam insinuar algo excessivamente pesado no lado dramático ou filosófico, a pegada paranoica e satírica, característica do cinema de Terry Gilliam, está presente e faz um contraponto muito feliz. Não existe conflito entre a forma e conteúdo, já que a ironia está por toda parte. Mesmo existindo um elo de identificação entre o angustiado Qohen e o público, já que qualquer pessoa já se fez perguntas similares às do protagonista, o tom alegórico domina, ao mesmo tempo em que a perceptível mensagem do filme não perde substância ou foco por isso.
E assim, O Teorema Zero vai fazer a alegria dos fãs de Gilliam e de Ficção Científica. Não é um filme para todos os públicos, claro, mas é bastante animador ver uma produção como essa estrelada por nomes quentes de Hollywood, como Christoph Waltz e Matt Damon, presenças que seguramente garantiram essa realização, que evidentemente não custou barato. Não será um sucesso de bilheteria, mas torçamos para que dê algum retorno financeiro. De toda forma, fica mais um filme bacana nas filmografias dos envolvidos.
Ah, e a gente agradece a ousadia de quem ainda se interessa por fazer filmes cuja qualidade não é medida em milhões de dólares…