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O Mistério do Gato Chinês – Ho Liwu Di vem aí!

O Mistério do Gato Chinês mistura temas chineses com produção hollywoodiana

Certos tipos de filmes exigem algum esforço de desconstrução das expectativas prévias do espectador. O fato de ser um filme de época e envolver fantasia faz com que imediatamente associemos O Mistério do Gato Chinês, de Chen Kaige, com um wuxia. Mas qualquer expectativa nesse sentido deve parar por aí. De fato, a proposta do filme não deixa de ser surpreendente: é quase como um procedural, mas envolvendo mitos chineses e gatos mágicos. Mas tal improvável costura consegue conter-se até o seu desfecho?

mistério do gato chinês

A compreensão da narrativa, em si, não é tão difícil. Um gato aparentemente sobrenatural está caçando membros da alta hierarquia chinesa – até mesmo o próprio imperador. Seu método denuncia um padrão, mas seus motivos são desconhecidos. Uma associação improvável entre um escrivão, Bai Letian (Huang Xuan) e um monge Kukai (Shota Sometani), dá início à investigação dos porquês que levam o espírito felino a tamanha fúria contra suas vítimas. No processo, descobrem segredos importantes sobre a atual regência.

O filme se baseia em uma lenda conhecida na China, a da concubina conhecida como Sra. Yang (Kitty Zhang), que foi a favorita de um dos imperadores da dinastia Tang – mas que era odiada e invejada pelo povo, pelo fato de ter ascendido das camadas mais humildes daquela sociedade. Qualquer detalhe a mais corre o risco de revelar coisas importantes da trama, mas isso não é sequer algo necessariamente relevante, pois não é – nem de perto – o foco do filme. Basta o amigo leitor saber que não, apesar de envolver mulheres sedutoras, gatos mágicos e fantasia, não há nenhuma associação com Sangue de Pantera aqui. Só para pontuar.

Gatos, fumaça e espelhos

Conforme a cena de abertura envolvendo a dupla de “investigadores” e um ilusionista estabelece, o filme não está nem um pouco interessado em determinar uma linha temporal de eventos coesa ou um conjunto de evidências crível que leve ao assassino. Afinal – reforçando – o homicida em questão é um adorável felino doméstico. Sendo esse elemento de fantasia o pilar e motor da obra, entendemos que a “verdade” dos crimes em si é menos importante do que a “verdade” da realidade em si.Por isso, o filme brinca com câmeras “flutuantes”, takes de aspecto onírico, além de muitas inserções de efeitos digitais em plena “consciência” dos protagonistas, desafiando o espectador a determinar o que é real e o que não é.

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Uma metáfora particularmente singela, se observarmos que uma parte relevante das revelações da trama tem a ver com a maneira como os espectadores externos interpretavam as ações e eventos envolvendo a corte do imperador Tang. Não obstante, conforme a trama avança e recua no tempo, oferecendo peças elusivas de um quebra-cabeça sendo montado de forma não muito ordenado pelo espectador, e o que temos é uma espécie de pretenso Rashomon. Entretanto, paramos aqui com a associação com o filme de Kurosawa.

Porque, apesar da interessante premissa, O Mistério do Gato Chinês sofre com problemas externos à películas. Mais precisamente, com tudo relacionado aos aspectos mais técnicos. Chen Kaige pode sim, ser um bom diretor – Adeus, Minha Concubina seria um motivo para maiores expectativas sobre O Mistério – mas não é exatamente um visionário da sétima arte. Kaige apresenta uma direção indulgente, que parece se aproveitar da qualidade abstrata, quase etérea, da natureza da narrativa, e se permite não dar muita ordem para coisa toda. Por estranho que possa parecer, a única maneira como conseguimos descrever é: parece que o filme é montado enquanto se desenrola diante do espectador. Transitando entre o real e o imaginário da fantasia, Kaige parece querer fazer o espectador questionar o primeiro, mas a pergunta recorrente durante a exibição é uma análoga desagradável: “o que está acontecendo aqui?” 

E, calcando-se fortemente na crença do seu aspecto fantástico, outra deficiência torna-se inalienável: os pesados e aquéns efeitos digitais. Muito do que se desvela na tela depende do questionamento sobre a veracidade e/ou validade do que se vê. Mas tal credibilidade é difícil de se estabelecer quando mesmo aquilo que é evidentemente real é tão explicitamente digital. Alguém pode apontar que não se pode exigir um padrão hollywoodiano de todas as produções – até porque, justiça seja feita, mesmo Hollywood não é referência para mais nada.

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Pouco mais que Hollywood

Mas fato é que alguns clássicos wuxia, como as obras-primas de Yimou, ou mesmo surpresas recentes, como o magnífico A Assassina, conseguem se virar muito bem com menos recursos e as mesmas pretensões fantásticas. Nesse sentido, a produção e pós produção sino-japonesa de O Mistério acaba, em si, “resolvendo” sua própria proposta de antemão para o espectador: sim, é tudo falso.

No mais, o elenco é bom, e, apesar da qualidade procedural e a questão dos assassinatos, o filme tem um tom bastante leve, divertido. Não é exatamente um filme familiar, mas é uma pipoca descomprometida o bastante caso o amigo leitor queira variar um pouco dos filmes falados em inglês, mas com uma linguagem narrativa e lógica de produção assentadas prazeirosamente dentro da sua zona de conforto. No fim, é apenas a China fazendo o que tem feito de melhor nos últimos anos – tentando tomar espaço das produções americanas, pedaço por pedaço, utilizando as mesmas estratégias e produtos com os quais os ianques conquistaram o mundo e empurraram sua cultura de entretenimento nossa goela abaixo.

“Ho Liwu Di” vem aí. Preparem-se.

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