Sem critério, O Clube dos Canibais berra seu discurso através de metáfora exagerada e óbvia
Absolutamente, nada contra que o Terror seja usado como veículo para algum tipo de mensagem. Basta darmos uma olhada na filmografia de George A. Romero (A Noite dos Mortos-Vivos, Martin) para comprovar que não são conceitos excludentes entre si e esse exemplo não entrou aqui por acaso. Romero não usava o discurso como muleta, mas criava obras que dialogavam com os que buscavam o mais superficial, tanto quanto com um público mais afeito a refletir sobre suas metáforas ou alegorias. É a via diametralmente oposta a O Clube dos Canibais, terror nacional de Guto Parente.
Com roteiro do próprio cineasta, o longa mostra uma elite cearense com o peculiar hábito de comer carne humana, mais precisamente de seus empregados. Só com essa informação, já se percebe a intenção desta história. Otávio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios) formam o casal protagonista, cujos caseiros são seduzidos por ela e mortos por ele, terminando a brincadeira na churrasqueira. Aliás, é preciso salientar que o jogo sexual vai até o fim, com o marido excitando-se enquanto observa tudo sem que a vítima saiba.
O tal clube do título – que também envolve voyeurismo antes das mortes e o banquete – é formado por Otávio e outros endinheirados locais, tendo o deputado Borges (Pedro Domingues) como líder da confraria formada somente por homens. É a partir da desconfiança de Borges sobre um de seus colegas que esse sistema começará a ruir, ao mesmo tempo em que Gilda se mostra entediada e insatisfeita.
Com essa obviedade gritante do discurso, que se apresenta já na mais básica sinopse, O Clube dos Canibais escorrega na largada. A composição geral da trama, bem como cada personagem em destaque, cai em um estereótipo caricatural que prejudica a credibilidade do conjunto. Também não convence se for levado como ironia, já que o texto traz ricaços ostentadores, entre uma e outra dose de uísque 18 anos, com falas do tipo: “Na Europa, tudo funciona… Não é igual aqui…”.
É evidente que Guto Parente buscou falar do abismo social brasileiro e o parasitismo cruel de uma elite pedante e hipócrita, ambiente onde uma vilania inerente faz com que acabem se voltando uns contra os outros. Mesmo com isso já esfregado no nariz da plateia, o discurso de Borges na reunião do clube, assim como toda essa sequência, prova que o filme é uma coleção de todos os clichês possíveis neste tipo de retrato. É como se sua intenção real fosse incluir todas essas características rasas em um filme de 81 minutos.
A comparação piora esse cenário
Com esse tema, parece inevitável citar outro terror nacional da safra recente, O Animal Cordial. Gabriela Amaral Almeida tocou em pontos mais ou menos similares em seu filme, com muito mais sensibilidade e sem descuidar dos elementos de gênero, honrando as lições do já citado Romero. E a desigualdade entre esses dois representantes nacionais aumenta se levarmos em conta as atuações em O Clube dos Canibais, nada mais que risíveis, exceto por um único ator ali.
Com todos os principais declamando suas falas – de um texto pouco inspirado, para dizer o mínimo – da forma mais artificial possível, o caseiro Jonas (Zé Maria) se destaca muito em uma caracterização naturalmente convincente. Em suas primeiras falas, ele já mostra que é, de muito longe, o melhor intérprete ali. Mesmo que tivesse sumido depois de dois minutos de apresentação, isso já seria perceptível. Além dele, existe algo a elogiar? Sim, existe.
Voltando às características mais óbvias de gênero, a violência gráfica, que poderia servir como tábua de salvação aqui, é menor do que se poderia esperar. Porém, felizmente, a parte técnica desse aspecto gore não decepciona, já que a equipe contou com um profissional que é referência no assunto: Rodrigo Aragão, diretor da trilogia composta por Mangue Negro, A Noite do Chupa Cabras e Mar Negro.
Os dois últimos detalhes abordados podem não ser o suficiente para redimir O Clube dos Canibais, mas precisam ser citados. O problema é que, ao pensar no conjunto, os dois pontos positivos não são os que vem à cabeça automaticamente. É certo que muitas pessoas entenderão as boas intenções do texto, enxergando até mesmo uma premissa que poderia ser melhor lapidada. Porém, o popular axioma diz a verdade sobre boas intenções.