Filme amazonense Noite Escura da Alma é uma série de clichês mal aproveitados
Um dos mais destacados e criativos nomes do terror nacional contemporâneo, o capixaba Rodrigo Aragão tem como principal diferencial de sua obra as referências assumidamente brasileiras. Nossas lendas e superstições são a base de seu cinema e renderam obras como A Noite do Chupacabras e Mar Negro. Já a diretora Gabriela Amaral Almeida usa suas referências de cinema B para criar tramas que dialogam com os problemas dos nossos tempos com sanguinolência, como em O Animal Cordial, ou valendo-se do sobrenatural, caso de A Sombra do Pai, seu último longa. Porém, ainda são muitos os diretores que apostam no terror neste nosso insano país tendo como base produções hollywoodianas. Infelizmente, as de gosto mais duvidoso. Dirigido, roteirizado e protagonizado por Breno Castelo, Noite Escura da Alma foi lançado diretamente no YouTube e teve seu material de divulgação focado nas referências, que vão da Bíblia ao Drácula de Bram Stoker. E é nelas que os problemas começam.
A começar pelo título pomposo (quase idêntico ao do documentário experimental dirigido por Henrique Dantas em 2015), o filme é a primeira incursão de Castelo no cinema, pelo menos como diretor e roteirista. Arriscar-se no formato de longa-metragem logo na estreia não é muito recomendado, ainda mais em um gênero que precisa de um roteiro consistente para garantir a atenção do público. Mas mesmo se a duração fosse de 15 minutos, Noite Escura da Alma não seria salvo.
Começando pela trama, focada no empresário Augusto, um homem bem-sucedido e religioso que acaba perdendo o rumo de sua vida após ter uma visão demoníaca, tudo soa dejá-vù, e dos ruins. A abertura, misteriosa e que já deixa claro a fé do protagonista, é seguida por uma cena de Augusto e a esposa, Beatriz (Ana Oliveira), correndo no calçadão da Praia da Ponta Negra, em Manaus, ao som de uma trilha sonora que parece saída de uma novela de Manoel Carlos.
O que se segue são dezenas de sequências que pouco acrescentam a história e explicam demais pontos que não modificam em nada a experiência do espectador. As poucas cenas que poderiam se encaixar no quesito horror ora tentam emular um exploitation, ora querem parecer um terror psicológico. Mas não conseguem ser nem uma coisa, nem outra. Os diálogos são repletos de frases de impacto, com direito a referências à pedofilia, são ditos com grandiosidade pelos atores, mas não escondem nada além da necessidade do roteirista de criar longas frases para situações que poderiam ser resolvidas com o silêncio dos personagens. Em sua pouco mais de uma hora e meia, Noite Escura da Alma não encontra seu caminho e saímos sem saber se Augusto é um homem atormentado por traumas ou encontrou mesmo o diabo em pessoa, mesmo rezando todos os dias (e em quase todas as cenas).
Plano longo, paciência curta
Por falar no diabo, ele aparece para travar um longo diálogo com Augusto. Sentado numa poltrona, parcamente iluminado por uma luz avermelhada e com gestos elegantes, até quem não lembra com segurança da história de Coração Satânico, de Alan Parker, vai se dar conta que Breno Castelo tenta emular o Lúcifer interpretado por Robert DeNiro. Até aí, nada demais. O problema é que Breno não é nem De Niro, nem Parker e o resultado é uma cena que testa a paciência do espectador.
Nos quesitos técnicos, a direção de arte das cenas de alucinação conseguem se destacar, dando uma ponta de esperança de que o filme vai, em algum momento, assumir seu título de “terror”. Mas são tão curtas e pouco aproveitadas que acabam passando despercebidas pelos mais distraídos. Isso sem contar os erros de continuidade (assista e descubra) e fade-outs de quase um minuto que não garante nem sustos, nem maravilhas na cena seguinte.
Não é todo dia que o cinema amazonense se destaca na mídia e a estratégia de Breno Castelo de lançar seu filme no YouTube, uma plataforma que alcança um grande número de pessoas, pode apontar para novas formas de ser notado como artista. Mas é difícil deixar-se levar por uma produção de baixo orçamento que não usa a criatividade ou assume com unhas e dentes um norte, ainda mais com milhões de vídeos mais interessantes à disposição com um simples clique.