Frankie Valli é um astro do pop-rock norte-americano, com uma carreira similar a de muitos outros músicos de sucesso de sua época: infância pobre, início difícil, relacionamento conturbado com familiares e companheiros de percurso, postura de bom-moço frágil e várias décadas de altos e baixos profissionais. Por outro lado, autor de algumas das mais belas canções do século 20, apreciadas no mundo inteiro por muitos que nem sabem sua verdadeira origem. Jersey Boys: Em Busca da Música também poderia ser uma cinebiografia musical como muitas outras, mas tem algo que a diferencia e a coloca em consonância com o ritmo doce e profundo que levou Valli e sua banda ao estrelato: o talento de Clint Eastwood para desvendar os meandros humanos sem perder o aspecto pop.
Jersey Boys divide opiniões nos Estados Unidos desde antes da estreia, em 20 de junho. A proposta de adaptar um dos musicais mais famosos e premiados da Brodway na última década não foi bem recebida. Clint não vinha de uma boa experiência com seu J Edgar (2011) e a ideia de produzir um filme biográfico cujos biografados fazem parte da produção executiva também não agradou aos fãs do gênero mais apegados à realidade. Nas telas, os primeiros comentários acusaram Jersey Boys de ser uma colagem de apelos emocionais exagerados intercalados por musicas populares. Mas muitas das injustas reclamações se devem mais a preconceitos ideológicos e a uma ingênua repelência por um filme musical não tão “musical” assim – pelo menos não no formato do segmento – do que pela evidente qualidade técnica do longa.
Você não verá longas cenas de cantoria estimuladas por qualquer acontecimento cotidiano, a qualquer tempo e a qualquer hora. As inesquecíveis melodias do The Four Season estão totalmente introduzidas no enredo da trama, apenas salientadas como convém ao gênero. Antes que um musical, Jersey Boys é um drama humanista, que viaja pelas contradições íntimas do ser-humano frente a realização eminente de um grande sonho e, às vezes, trágicas consequências que ele acarreta. É neste ponto que o talento de Clint Eastwood se sobressai, respaldado por trabalhos magníficos que também buscavam o mesmo olhar intimista, como Menina de Ouro (2004) e Os Imperdoáveis (1992). Também é uma trama de frescor juvenil que o torna leve e divertido em muitos momentos.
O filme é emocionante não devido a clichês sentimentais, mas pela identificação com personagens que encontram na música um caminho de autoidentificação ao mesmo tempo em que se distanciam do mundo que os produziu. A narrativa flutuante, protagonizada por cada personagem em diferentes momentos, leva o espectador a mergulhar ainda mais nos pontos de vista individuais, enriquecendo a mensagem de que, talvez, mais que a veracidade detalhista dos fatos, as consequências dos eventos é o que realmente importa na vida de cada um. Não espere por ineditismos: muitos dos recostos clássicos das cinebiografias de bandas estão lá, com as diversas contraposições subjetivas do sucesso, como as festas, brigas e famílias problemáticas, mas nada que comprometa o resultado final.
O filme é estrelado por John Lloyd Young, ator que se consagrou pelo mesmo papel nos palcos, trabalho que lhe rendeu o Tony Award o Oscar do teatro norte-americano. Além de um prazeroso talento para as telas, Young também de destaca por voz incrivelmente semelhante como a mítica vocalidade de Frankie Valli. A produção também conta com o premiado staff de Clint Eastwood, como o diretor de fotografia indicado ao Oscar, Tom Stern (A Troca, 2008), o designer de produção também indicado ao mesmo prêmio na mesma ocasião, James J. Murakami, o editor vencedor da estatueta Joel Cox (Os Imperdoáveis, 1992), além de roteiristas e produtores ligados a peça nova-iorquina. A presença do próprio Frankie Valli e de Bob Gaudio, compositor dos grandes sucessos do The Four Seasons, como produtores-executivos, apenas enriquecem e embasam a evolução da história.
Christopher Walken faz uma participação tímida, aquém de seu talento e do que poderia acrescentar. Seu personagem é mais uma contribuição luxuosa da produção do que uma necessidade dramática, mas que cumpre sua importância na trama ao construir um mafioso que dá o tom jovial do universo de incertezas que a fama impõe, ao mesmo tempo em que divide o processo de amadurecimento de Valli. Acima dele, um elenco semi-desconhecido do grande público, mas afinado e entrosado, faz uma interessante homenagem a cultura norte-americana e, sobretudo, a carreira de um dos mais importantes músicos vivos. O resultado é um Clint que deve disputar em muitas categorias na próxima premiação do Oscar. Em tempo, ao término do filme, curta o divertido show de encerramento durante a apresentação dos créditos. Este sim, um clássico dos musicais e um recado de Eastwood para os críticos.