Na loteria das adaptações de Stephen King, a sorte não contempla It 2
Em It: Capítulo 2 (It: Chapter 2), ou simplesmente It 2, o grupo dos “perdedores” é convocado para voltar à cidade para enfrentar novamente a entidade que os apavorou 27 anos atrás. Mas, antes de comentar o filme em si, cabem considerações sobre o autor da fonte deste roteiro.
Adaptar obras de Stephen King, como A Torre Negra, por exemplo,para os cinemas e a televisão é uma tarefa ingrata e, ao mesmo tempo, uma roleta russa. O escritor, um prodígio da literatura, tanto pela quantidade de produções quanto pelo domínio de seu principal gênero, o suspense, tem um estilo prolixo e bastante imaginativo. Talvez um termo que se adequasse melhor seria “viajante” e, constantemente, é acusado de escrever finais ruins (uma característica que vira piada interna no filme).
Justamente por isso, as adaptações precisam tentar manter os pés fincados no material base ou fazer grandes adaptações, que, normalmente, são complexas. Com isso, a chance de dar algo errado aumenta bastante. Porém, o primeiro capítulo cinematográfico da nossa obra em questão, It: A Coisa, de 2017, saiu-se muito bem, criando grande expectativa pela continuação.
O livro, de 1104 páginas, que originou os dois filmes, é focado na cidade de Derry e num grupo de amigos adolescentes que se autodenominam “O clube dos perdedores”, já que são desprezados pela grande maioria dos outros adolescentes da escola e da cidade. A cidade sofre há muito tempo de surtos estranhos de violência, mortes e desaparecimentos de jovens, em ciclos de 27 anos. Essas atrocidades são cometidas por uma poderosa entidade sobrenatural que não é possível definir, e, por isso, é conhecida como A Coisa. Ela se alimenta principalmente do medo e sua forma mais conhecida é a de um sinistro palhaço.
Quando o diretor Andy Muschietti adaptou a obra, decidiu dividi-la em dois períodos. O capítulo um traz a fase jovem, mostrando as crianças combatendo a entidade nos anos 80, deixando a fase adulta para a parte 2, nos dias atuais, onde o mesmo grupo retorna para dar um fim definitivo na entidade, também conhecida como Pennywise.
No primeiro filme, ele obteve bastante sucesso de bilheteria, faturando cerca de 700 milhões de dólares. Mesmo com algumas ressalvas, foi bem avaliado pela crítica. Também agradou o público, principalmente por aproveitar o carisma de seu elenco juvenil durante a explosão da série Stranger Things, que revisitava os anos 80 e criava um hype contagiante. Esses fatores, além de uma grande direção, bom roteiro e a atuação de Bill Skarsgard, como o palhaço Pennywise, catapultaram o filme e garantiram a execução da segunda parte.
A morte da expectativa
Enfim, chega agora a esperada continuação. Com ela, a expectativa que estava nas alturas despencou como um balão vermelho sem gás. Mas é preciso dar uma explicação mais detalhada sobre essa decepção.
O grupo da primeira parte era formado por sete adolescentes com características problemáticas. Bill, o gago (Jaeden Martell), Beverly, a renegada (Sophia Lillis), Richie, o “sem noção” (Finn Wolfhard), Eddie, o hipocondríaco (Jack Dylan Grazer), Ben, o gordinho (Jeremy Ray Taylor), Mike, o órfão que perdeu os pais num incêndio (Chosen Jacobs) e, finalmente, Stanley, o medroso (Wyatt Oleff). Cada uma dessas qualidades trazia profundidade aos personagem e falhas a serem corrigidas. Além disso, eram motivos para que eles fossem oprimidos tanto por seus colegas quanto pelos pais. E esse é o tema principal do livro: o Bullying.
Todos os personagens sofrem ou atuam nesse tema, culminando no maior “bully” ou numa tradução livre, “valentão”, a Coisa. De uma maneira metafórica, ela se alimenta daquilo que todos os valentões se alimentam, o medo. Por isso faz todo sentido que um filme de suspense seja baseado nesse tema.
No filme de 2017, o fator primordial para o sucesso foi a excelente “química” que os atores adolescentes apresentaram entre si e dentro de seus papeis. A direção foi segura e tirou o melhor daquele grupo. Porém esse é um dos maiores problemas na continuação.
Para os papéis dos personagens em sua fase adulta foram convocados alguns nomes de peso, como James MacAvoy (Bill), Jessica Chastain (Beverly) e Bill Hader (Richie), além de James Ransone como Eddie, Jay Rian III como Ben, Isaiah Mustafa como Mike e Andy Bean como Stanley. Os atores que substituíram as crianças são talentosos, mas em nenhum momento pareceram estar de verdade nos personagens como elas fizeram no primeiro filme. Eles não são um time.
Além disso, a escolha de trazer todas as histórias, de cada um dos personagens como se eles fossem todos protagonistas, tornou o filme lento e repetitivo, pois cada um passa pelas mesmas experiências. Isso quer dizer que são sete vezes cada um dos arcos. Por isso o segundo ato é arrastado. Da metade do filme em diante o roteiro começa sofrer com a falta de antecipação das soluções. Personagens somem sem explicação, soluções aparecem do nada.
Os personagens principais perdem as características de suas versões mais jovens (que aparecem em flashbacks e ilusões), portanto, não criam empatia. Até mesmo o vilão Pennywise de Skarsgard parece displicente e sem motivação. Richie, que seria o alívio cômico, começa bem o filme mas vai se repetindo nas piadas e perdendo a graça. Eddie fica num ciclo bipolar, parecendo determinado em um momento, mas totalmente perdido em outro. Mike assume uma postura de mentor da turma, mas parece sempre ser o que menos sabe. A Beverly de Chastain não empolga, porém, o pior é ver a preguiça com que MacAvoy trata Bill. Se em Fragmentado o ator dá um show, aqui ele parece quase amador.
Mas, assim como a piada interna sobre o autor, cujos finais deixam a desejar, It 2 deixa o pior para o terceiro ato. O conflito final é uma confusão, onde todos os personagens sobreviventes precisam resolver seus conflitos. Só que isso é feito de uma forma desordenada e sem conexão com o status dos personagens, já que, nesse momento, eles são adultos. Suas ações são inconsequentes, atabalhoadas e crédulas. Como se eles não tivessem aprendido nada até aquele momento. A solução final precisa de muita boa vontade para fazer sentido e, depois de quase 3 horas de filme, é difícil achar de onde tirar.
Tecnicamente também existem problemas, principalmente com a computação gráfica. Uma cena no restaurante chega a ser vergonhosa. Por fim, a direção não conseguiu chegar o nível do primeiro filme, ironicamente, feito pelo mesmo diretor. Agora, a pergunta principal: It: Capítulo 2 é ruim? Sim. Mas diverte.
Apesar de todos os problemas ele entrega alguns momentos engraçados, alguns bons sustos e a “montanha russa” de eventos que se espera de um blockbuster. Se sua intenção for apenas curtir um filme despretensioso de suspense, além de revisitar os personagens da primeira parte, pode ser que você goste. Só evite altas expectativas, pois a queda pode machucar.