Em 20 de Abril de 2010, a plataforma semi-submergível de perfuração e exploração de petróleo Deepwater Horizon (título original do nosso filme) explodiu, dando início ao pior derramamento de óleo da história dos EUA e um dos piores do mundo. É nesse cenário apocalíptico que se desenvolve Horizonte Profundo: Desastre no Golfo.
O filme, é basicamente um disaster movie – uma sequência de desgraças agarradas ao fiapo narrativo, que conduzem – durante quase duas horas de projeção – uma quantidade cavalar de explosão, chamas e atitudes heroicas de gente comum em momentos de tensão. Peço desculpas ao amigo leitor pelo tom jocoso na maneira como descrevo um filme baseado em algo que foi uma tremenda tragédia, mas é porque ele próprio é um desastre (perdão pelo trocadilho).
Peter Berg, diretor do filme, já deveria ligar o alerta “carmim” no espectador– você vai entender a piada nos primeiros 15 minutos, que contemplam toda a extensão narrativa do filme; em seus créditos estão um caminhão de tranqueiras, como ator, diretor e produtor, incluindo a abominação Battleship – A Batalha dos Mares. Parece que, não satisfeito em deixar destroços pelo oceano nesse último, Berg agora volta ao mar para tentar explodir mais água.
O filme é uma besteira do começo ao fim. Desde o início do filme, com a família “comercial de margarina” de Mark Wahlberg, que interpreta o protagonista Mike Williams, já cantando a bola da “esperança” na qual o personagem vai se agarrar nos piores momentos, passando pela figura do chefe durão, mas gente boa, Jimmy Harrell, encarnado por Kurt Russell, chegando até ao “vilão” do filme de John Malkovich, Vidrine (perceba que o homem é tão malvado que até nome de vilão o sujeito tem na vida real), tudo é tremendamente desperdiçado e mal conduzido.
A começar pelo tal vilão. Quando se está falando sobre um desastre provocado por uma indústria petrolífera, você não precisa de um vilão em cena – estamos falando de uma indústria que, em termos de prejuízo à humanidade, só perde para o tráfico de armas, de drogas e de gente. E talvez só perca por pouco em termos de lucro também, obtidos às custas de lobby, coação, especulação… Tudo aquilo que faz das mega-corporações coisas tão malignas que, sendo assim, é desnecessário perder tempo em cena – de um filme que já não tem quase nada de roteiro – para demonizar o personagem de Malkovich. Até porque, não fosse o bastante o desastre obviamente provocado pela ganância da empresa e pela negligência do seu pau-mandado Vidrine, ao término da sessão, durante os créditos, sabemos o destino dessa pessoa na vida real, e – como em tudo na vida real – nuances e contexto são necessários. E isso é pedir muito para, como já afirmamos, um disaster movie.
Não obstante, o roteiro dos Mathews Carnahan e Sand também perde uma imensa oportunidade de cair matando nessas malignas corporações petrolíferas – que não cansamos de afirmar, são malignas – em torno da questão ecológica, tão debatida e tão necessária ser discutida hoje em dia. O desastre real da Deepwater Horizon não custou apenas vidas humanas, mas também de pássaros e de uma extensão colossal de habitat de vida marinha. O filme poderia aproveitar esse fato para levantar uma conversa muito séria sobre os prejuízos que essas empresas causam ao mundo, mantendo um modelo de negócio e exploração de um produto que deveria ser jogado no lixo da história – e não tome isso por esse patético resenhista. Qualquer macaco que entenda um pouco de ciência e economia, formado na pior faculdade da Terra, sabe disso. Desafio o amigo leitor a nos provar errados. Mas, aparentemente, para o público mediano, é simplesmente mais fácil colocar um mocinho – Wahlberg – contra um vilão – Malkovich – e explodir coisas. Hollywood não quer que você pense demais.
E aí vem a parte técnica do filme. Sendo um disaster movie, ao menos a destruição vale a pena? Parcialmente. A ideia de tornar uma plataforma de petróleo em cenário para um filme assim rende, ao menos, um aspecto interessante – como se trata de um espaço limitado de locação, as explosões e as sequências de desastre tem a sua tensão potencializada pelo efeito claustrofóbico do lugar. Você é lembrado o tempo todo de que qualquer lugar em que você esteja pisando pode voar pelos ares, ou cair na sua cabeça a qualquer momento. Então, não raramente, você acaba se vendo contraindo os músculos na cadeira, porque sabe que qualquer coisa pode acontecer a qualquer instante – e isso é um mérito para um filme desse gênero. Não obstante, apesar de o roteiro não oferecer grande ajuda, os atores em geral, dos protagonistas aos coadjuvantes, não ofendem ninguém, e conseguem transmitir a carga certa de tensão em meio ao colapso do lugar.
A mixagem e edição de som também são bem-feitas. Mesmo em meio ao caos, ainda é possível ouvir tudo com clareza, e os diálogos fluem naturalmente em meio a um ambiente onde a comunicação deveria ser impossível – quem já esteve perto de uma labareda de verdade sabe disso. Isso sem perder todos os elementos que colaboram com os aspectos visuais para construir a tensão e o sentimento de urgência. A fotografia e a iluminação também são razoáveis – como a maior parte do desastre se passa à noite, eventualmente algumas imagens escurecem bastante, principalmente pela emulação da luz emitida pelo fogo. Mas até aí, nada que prejudique a ação desenfreada.
Mas aí vem o ponto realmente baixo da parte técnica – câmera e edição. Berg faz opção pela irritante hand camera, e é simplesmente impossível entender o que está acontecendo em determinados momentos. É compreensível que essa escolha ajude a construir a tensão – mas existe uma diferença entre isso e deixar a imagem tremendo como se o responsável pela câmera tivesse Parkinson. Mesmo que não possua muita história, às vezes nós precisamos prestar alguma atenção ao que está acontecendo, e os tremores constantes fazem com que até cheguemos a evitar olhar para a tela tamanha a confusão. A edição e montagem típicas da geração videoclipe não colaboram em nada para isso também. Tudo acontece muito rápido para gerar tensão, mas o resultado é uma identificação quase nula com o que está acontecendo. O desastre está rolando solto, a tensão crescendo, mas no fundo tudo acontece tão rápido que, mesmo que alguém morra, você não vai ligar.
Horizonte Profundo: Desastre no Golfo era um filme sobre um tema com muito potencial, mas acaba como um imenso desperdício. O que é até curioso, dada a predileção recente de Hollywood pelo politicamente correto, mesmo que tratado de forma rasa. Fica claro para todos que essa imensa desgraça serviu apenas para gerar um filme que vai ser consumido, descartado e esquecido. Talvez tal qual a tragédia que o inspirou, da qual pouco se ouve falar hoje em dia.
A Deepwater Horizon espalhou petróleo durante 87 dias. Isso é provavelmente mais do que o seu filme vai durar em cartaz.