Um(ns) aracnídeo(s) diferente(s) em Homem-Aranha no Aranhaverso
Lá se vão quase duas décadas que a febre super-heroica pegou Hollywood e só vem crescendo. Ao longo dessa estrada, um dos personagens mais populares dos quadrinhos da Marvel já passou por dois reboots e três atores já vestiram seu uniforme, com resultados variados (confira nosso ranking). Como as próprias HQ’s já apresentam versões alternativas dos heróis há muito tempo, existe aí mais um nicho a se explorar. Na animação, pelo menos, onde o investimento é menos arriscado. Eis que chega Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-Verse), explorando o conceito de universos paralelos.
Aproveitando uma saga mais ou menos recente das revistas do personagem, a nova animação apresenta o adolescente Miles Morales. Se você não tem familiaridade com os quadrinhos, cabe uma explicação. Miles foi apresentado aos leitores na linha Ultimate Marvel, que se propunha a releituras mais modernas dos heróis da casa, mas publicada simultaneamente com a continuidade clássica. O garoto acabou assumindo a identidade do herói quando as histórias de lá passaram a ser mais independentes, sendo depois oficialmente consideradas como ambientadas em outro universo. Sim, é complicado para quem não acompanhou por anos.
Feito esse esclarecimento, a trama mostra o jovem de origem porto-riquenha, filho de uma enfermeira e um policial, às voltas com problemas comuns da adolescência. A mudança para uma nova escola é uma delas, mas o garoto encontra conforto no tempo que passa com seu tio Aaron. Pois bem, Miles será picado por uma aranha radioativa e ganhará poderes, isso já sabíamos, mas o incidente que impulsiona essa jornada está mais à frente.
Lembrando que já existe um Homem-Aranha em atividade quando essa história começa. O perigo causado pelo Rei do Crime, interessado em abrir portais para outros universos, o coloca em confronto com o vilão, com um desfecho trágico que abrirá o caminho para que o relutante Miles vista o manto do herói tombado. Mas não sem antes lidar com suas complicações pessoais e aquelas causadas pela brecha entre os universos, reunindo várias versões do aracnídeo para deter a catástrofe anunciada.
Servindo como mentor, tão ou mais receoso que o menino, um Peter Parker acima do peso e desiludido trará lições valiosas para essa formação de caráter. O grupo também conta com o Homem-Aranha noir, o Porco-Aranha, Peni Parker e seu robô e Gwen Aranha, misturando estilos de preto e branco retrô, Looney Tunes e animes na construção visual e movimentação do longa.
Dirigido por Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman, todos bastante envolvidos no ramo da animação, Homem-Aranha no Aranhaverso tem roteiro de Phil Lord e Rothman, costurando milhares de referências que contemplam, em sua maioria, os fãs de quadrinhos mais dedicados, mas não esquecem de quem conhece o personagem apenas pelo cinema. Como em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, acertam na caracterização do protagonista adolescente, buscando também uma alternativa mais bem humorada para esse tipo de aventura, como no divertido Lego Batman.
Visual e narrativa se destacam
Como animação, Homem-Aranha no Aranhaverso carrega o mérito de fugir do padrão que tomou conta da indústria. O longa tem uma identidade muito particular neste sentido, evitando que seja imediatamente comparado com outras animações 3D que existem por aí. Alguns até podem ter essa impressão com as imagens de divulgação, mas isso se dissipa nos primeiros minutos de projeção, quando vemos os personagens se movimentando e interagindo, com sua estilização criando um belo contraste com os cenários mais realistas.
Não que seja novidade, mas também é bem vinda a utilização de recursos gráficos dos quadrinhos, como recordatórios, linhas de movimento e os traços sinuosos que indicam o funcionamento do sentido de aranha. Mais um ponto que garante personalidade e dinamismo nas cenas de ação, dentro de um conjunto que corria um sério risco de acabar no lugar comum. Falando em dinamismo, não haveria como não comentar o ritmo geral do filme, que, infelizmente, acaba prejudicado pela sua duração.
Encostando em duas horas, Homem-Aranha no Aranhaverso se apresenta mais interessante na preparação do que na resolução de seus conflitos, o que torna sua primeira metade melhor do que o restante. De fato, não há muito roteiro que justifique essa duração, mas o filme precisa esticar-se para dar tempo aos personagens secundários para fazerem mais gracinhas, além de exibir o máximo possível de easter eggs. A indústria entendeu faz tempo que esse tipo de piscadela para os fãs é quase sempre confundida com qualidade verdadeira, logo, é um recurso fácil.
Falando nos aranhas coadjuvantes, se cada um tem seus atrativos visuais individuais, as sequências de ação que envolvem todos ao mesmo tempo caem no inevitável excesso. Com a premissa geral, não haveria como fugir disso, mas não deixa de ser um problema. Ainda sobre excessos, entre os personagens “tradicionais”, o visual do Rei do Crime é o único que acaba destoando por conta do tamanho exagerado, um tipo de estilização que não casa com resto do elenco que habita o universo em que o longa se passa. Os leitores mais velhos talvez entendam isso como outra referência, neste caso, ao ilustrador Bill Sienkiewicz.
Feitas as ressalvas, Homem-Aranha no Aranhaverso traz uma dose de diversão razoável, embalada em uma animação que traz algum frescor em sua parte técnica. Parece muito para os parâmetros de hoje, mas é um referencial baixo. Pode até surpreender quem não esperar absolutamente nada e saciar quem percebe e se contenta com referências aos montes. O problema é que esse segundo grupo não é exatamente um público que se renova.