Pelo diretor, Ghostland aguça a curiosidade
É provável que o nome Pascal Laugier não tenha significado algum para você. A melhor referência, então, pode ser um filme que ele roteirizou e dirigiu em 2008, caindo nas graças dos fãs de terror e de quem busca filmes alternativos e perturbadores. O francês* Mártires (Martyrs) – não confundir com a refilmagem rasteira – é um filme interessantíssimo e uma experiência marcante, fazendo com que qualquer trabalho posterior do cineasta já gere expectativa em uma parcela do público. É o caso do novo A Casa do Medo: Incidente em Ghostland (Ghostland).
*(Falando em Terror francês, confira também a crítica de A Noite Devorou o Mundo)
Beth e Vera são duas irmãs adolescentes, mudando-se com a mãe para uma casa herdada em uma região mais afastada do meio urbano. A primeira garota, mais nova, é fanática por histórias de terror e hostilizada pela irmã em um relacionamento bem comum para essa idade. Agora adulta, casada e uma escritora de sucesso, Beth precisará revisitar o incidente traumático vivido logo após a chegada à nova residência, voltando ao local onde as três foram atacadas por dois loucos foragidos. Existe culpa neste retorno, já que sua mãe ainda vive lá, cuidando de Vera, cujos danos psicológicos parecem irreversíveis.
Novamente dirigindo um roteiro que escreveu sozinho, curiosamente repetindo o foco em uma dupla feminina, como o fez em Mártires, Laugier parece mirar em um mercado maior. Com produção entre França e Canadá, exceto por algumas frases em francês no começo, o filme é falado em inglês, o que ajuda em sua distribuição nos EUA. Abrindo com uma referência nominal a H. P. Lovecraft, o cineasta captura a atenção do espectador mais versado em terror. Bom sinal, mas a vontade de agradar plateias mais acostumadas a fórmulas fáceis se torna evidente logo em seus primeiros minutos.
A quantidade de jump scares telegrafados chega a incomodar, repetindo-se pelo filme inteiro das formas mais óbvias. É o silêncio súbito enquanto Beth se aproxima devagar de algo, é a trilha sonora que vai aumentando, é a câmera que se aproxima por trás e por aí vai. Durante o filme, é provável que algumas pessoas se perguntem se ainda existe alguém que se assusta com isso. Mesmo com esse detalhe incômodo, o prólogo promete uma experiência marcante, bem ao estilo do seu diretor. Não se concretiza, mas existem méritos.
Tem seu valor, apesar da decepção geral
Com 91 minutos de duração, A Casa do Medo: Incidente em Ghostland é um filme irregular. Perguntas são feitas pelo público, que aguarda uma reviravolta, e por Beth. Eis que, surpreendentemente, é nos plot twists, as grandes viradas do roteiro, que o longa ganha fôlego e se destaca um pouco no mar de produções a toque de caixa que exploram o Terror. O roteiro de Laugier não deixa pontas soltas e o que parecia absolutamente incoerente acaba justificado.
Isso não garante uma redenção completa, evidentemente. Comprometendo seu filme com esquematizações que banalizam o Terror hoje em dia, Laugier mostra aqui mais inventividade como roteirista do que cineasta. E relativamente, é bom frisar, pois a forma como escolheu terminar sua narrativa traz de novo a sensação de que a mão pesou na hora de agradar o espectador médio. Fora isso, também é necessário falar do envolvimento do nome de Lovecraft.
O mítico escritor é o ídolo de Beth. A insistência na citação de seu nome no começo nos faz crer que haverá um aproveitamento relevante de algo em torno dele, mas não é bem assim. Faz sentido que o público cobre uma coerência nas escolhas do roteirista. Então, que motivo existe por trás destas referências? Nenhum, na verdade. Qualquer outro escritor de terror poderia ter sido usado como o preferido da protagonista, pois essa não é uma escolha conceitual consciente, mas uma mera forma de chamar atenção logo de cara.
Já próximo do seu final, A Casa do Medo: Incidente em Ghostland ainda esboça uma tentativa até interessante com a “presença” de Lovecraft, mas fica apenas na “participação especial”. Neste momento, não adianta esperar qualquer reviravolta salvadora e o filme se mostra apenas uma iniciativa sem muita ambição ou cuidado, ainda que traga boas ideias e consiga surpreender em alguma coisa.
Com fotografia e som sem absolutamente nada que os destaque no gênero, o filme passa rápido, felizmente. Mesmo que Pascal Laugier não pegue ninguém em seus jump scares, ele consegue, pelo menos, criar bons momentos de tensão, seja em cenas mais corridas ou mais sutis. Mais detalhes isolados que impedem um grande desastre e criam algo que não chega a desperdiçar o tempo do público.
Com ou sem a expectativa criada pelo seu diretor, é uma pena que A Casa do Medo: Incidente em Ghostland não atinja seu pleno potencial. Bem que Laugier poderia ter se esforçado um pouco mais, ousando e acreditando na recepção do público. Medo do desconhecido? Talvez…