Não é de hoje que os filmes de ação concentram toda a ousadia criativa apenas nas mais espetaculares cenas de perseguição, fugas, lutas e por aí vai. Enredos verossímeis e roteiros novidadeiros não são necessariamente considerados bem vindos pelos fãs do gênero. Muito ao contrário, a narrativa deve servir apenas para justificar um show visual em cena e injetar adrenalina na plateia, habituada a diversões passionais. Personagens carismáticos, humor latente, ritmo acelerado e efeitos visuais acurados estão na receita, para atrair um séquito de jovens seguidores a cada nova franquia.
Será interessante descobrir como esse público receberá o reinício da popular cinessérie franco-americana Carga Explosiva, agora sem a força motriz de Jason Statham, astro dos três episódios anteriores. Carga Explosiva: O Legado (The Transporter Refuleled) estreia com o propósito de dar novo fôlego para esse sucesso da década passada. Statham foi substituído por Ed Skrein, no papel do engomadinho cheio de testosterona Frank Martin. A saída do ator e lutador inglês do título, que o consolidou como novo ícone dos filmes de ação, pode ser um grande baque para os fãs, embora essa seja a única grande novidade desta sequência, que repete à exaustão as fórmulas dos anteriores.
Ed Skrein, cujo crédito mais expressivo é a participação no seriado Game of Thrones, vive seu primeiro protagonista. Sua versão de Frank Martin mantém o tipo másculo estiloso e pegador do antecessor, porém com uma canastrice que deve irritar até os mais alheios dos comedores de pipoca. O grande interesse pode estar em conhecer melhor o ator que encarnará o vilão Ajax, em Deadpool, que deve abrir uma nova franquia de super-herói da Marvel em 2016. Skrein apresenta uma atuação travada e arrastada, quebrada apenas pelos (muitos) momentos de combate corpo a corpo.
Assim como a trilogia dos anos 2000, Carga Explosiva: O Legado, é produzido e roteirizado por Luc Besson, o francês que já se tornou cult dentro do gênero. Na direção está Camille Delamarre, com quem Besson já havia trabalhado em Carga Explosiva 3 (2008) e 13º Distrito (2014). Delamarre tem no repertório vasta gama de filmes de ação e seu novo Carga Explosiva é praticamente uma repetição de seus trabalhos anteriores com o produtor. Espere uma infindável sequência de pancadaria, perseguições em alta velocidade e cenas mirabolantes (na melhor delas, uma fuga pelo saguão de um aeroporto lotado), alternadas com muito sex appeal dos personagens.
Na pouca trama que o roteiro oferece, Frank Martin recebe a missão de transportar um grupo de mulheres pela Riviera Francesa. As belas jovens se vestem da mesma forma e usam perucas loiras. Como de costume, atento a suas próprias regras, Martin não faz perguntas, mas logo percebe que caiu em uma armadilha para enfrentar uma quadrilha de traficantes russos aliciadores de prostitutas. A sinopse fala em ser essa a aventura de estreia de Frank Martin como o respeitado transportador, mas não há nada em cena que sugira isso.
O BMW do primeiro filme também não dá as rodas por aqui. O Audi S8 é, mais uma vez, a grande estrela da vez. A fabricante de carros alemã, que também patrocinara o segundo e o terceiro episódio, tem aqui uma grande peça publicitária, capaz de fazer qualquer espectador mais jovem a começar a calcular quanto ainda falta para adquirir o seu. Tudo gira em torno do belo carro de Martin, que tem suas qualidades destacadas a cada minuto.
Um ponto de equilíbrio no filme é Ray Stevenson (Divergente, 2014), à vontade como o carismático pai do motorista durão e responde por alguns bons momentos do longa, cumprindo com eficiência sua missão de pêndulo cômico da história. Afora isso, pouco se salva nesta produção. O roteiro esburacado, a fotografia estourada, o ritmo epilético e a decepcionante repetição de cenas de outros trabalhos devem desanimar até mesmo os fãs menos exigentes.
Para o bem ou para o mal, Carga Explosiva ocupa um lugar de destaque na filmografia de ação deste começo de século, assim como Duro de Matar, Velozes e Furiosos e Busca Implacável também já ocuparam em diferentes momentos, conquistando um grupo bem característico de admiradores. Não chega aos pés de vários outros exemplares do gênero, mas assim mesmo não deveria ser reiniciado. A falta de originalidade do roteiro e o infeliz protagonismo de Ed Skrein resultam apenas em uma experiência constrangedora. As prometidas sequencias devem aprofundar ainda mais o erro do reboot. Em um gênero que tanto precisa de renovação – assim como o todo o cinema, diga-se – é decepcionante ver que a insistência por fórmulas batidas não tem data para acabar.