Bad Boys Para Sempre é colorido e cheio de ação, mas tem uma construção de personagens que o diferencia dos anteriores
Já é um fato da vida de um cinéfilo acima de 30 anos: boa parte do que verá no cinema este ano será uma refilmagem ou continuação de algo que já viu décadas atrás. Entre exemplos recentes, tivemos Entre facas e segredos, fortemente ancorado em Clue (1985), Doutor Sono, uma sequência direta de O Iluminado, e Jumanji: Próxima Fase, que teve uma surpreendente influência de Clube dos Cinco. No auge da década de 80, também foi consolidado um gênero: o “buddy cop”. Os dois primeiros filmes da franquia Bad Boys foram muito lucrativos e ajudaram nas carreiras de Will Smith e Martin Lawrence. Então, o lançamento de Bad Boys Para Sempre (Bad Boys For Life) não é surpresa, nem que essa seja uma clara semente de início de uma nova série de sequências, evoluindo o gênero “buddy cop” no estilo da franquia Velozes e Furiosos, no novo conceito “família com ação”.
Dezessete anos depois do segundo filme, Smith e Lawrence retomam seus personagens Mike e Marcus, juntos do capitão Howard (Joe Pantoliano), na polícia de Miami. Uma nova equipe de codinome AMMO, liderada pela ex-namorada de Mike, Rita (Paola Núñez), e cheia de atores familiares como Vanessa Hudgens, Alexander Ludwig e Charles Melton. Lawrence não tem atuado em um filme desde Vovó… Zona 3: Tal Pai, Tal Filho, de 2011, mas está de volta em boa forma. Na história, Isabel (Kate del Castillo), a mulher que na vida real ajudou acidentalmente a capturar El Chapo, é a esposa de um chefe do crime que Mike colocou na prisão. O filho dela, Armando (Jacob Scipio), está assassinando pessoas envolvidas no caso. Marcus quer se aposentar porque se tornou avô, mas após uma tentativa de homicídio, fica focado em vingança.
Algumas reviravoltas impulsionam a ação, mas, para evitar spoilers, basta dizer que a construção de personagem é algo inédito na franquia.Essa maturidade de atuação, tom e roteiro ajuda (e muito!) a sequência a ter um novo frescor. Os temas e personagens são familiares, mas tudo está atualizado para um mundo com mais nuanceS e menos pastiche.
Risadas sem culpa
O humor está presente no filme todo, desde as inevitáveis piadas de velho, como o cavanhaque de Mike precisar de tintura e Marcus enxergar em HD quando usa óculos, além de chistes reciclados dos outros filmes, como a dificuldade deles de se acostumarem à “nova polícia”, que não mata criminosos e usa balas de borracha.
A premissa de que Marcus é um homem de família e Mike é um sedutor foi quase que abandonada, mostrando crescimento real das duas personagens, mesmo que encapsulada em humor barato, embora mais politicamente correto do que nos anteriores. Não tem mais a piada “não somos gays!”: o relacionamento próximo dos dois é abraçado e comemorado. Mike ainda gosta de se vestir bem, mas não é mais misógino. Inclusive confronta, em duas frentes, o seu comportamento no passado.
Quatro tiros ainda explodem um carro parado, mas o humor auto-referencial, de saber que se é um filme de ação de entretenimento escapista, deixa a experiência leve e divertida. Uma sequência de perseguição sobre motos com capacetes de caveira parece até fora de lugar em um filme que passa por conceitos de responsabilidade e maturidade emocional, mas, de alguma maneira, Bad Boys Para Sempre consegue equilibrar essa complexidade sem perder o fio da meada.
Um futuro promissor
A direção de Adil El Arbi e Bilall Fallah é inconstante, alternando entre shaky-cam excessivo e câmera lenta com fortes influências de Michael Bay, que além de ter dirigido o primeiro filme (sua estreia como diretor) tem uma ponta nesse. Felizmente, eles tem a paciência de takes mais longos, que permitem que acompanhemos a ação,e boas âncoras visuais para estabelecer onde algo acontece, evitando o efeito “o-que-está-acontecendo-por-que-aquilo-explodiu” de filmes como Ameaça Profunda. Pelo sucesso que o filme está fazendo, (já passou de 100 milhões de dólares em bilheterias mundiais) tem cheiro de Marvel no futuro dos diretores.
Com tantas refilmagens e cópias de baixa qualidade, é um alento ver um filme como Bad Boys Para Sempre, que referencia, mas acrescenta ao seu material original, conquistando público novo sem perder o antigo. São duas horas que passam rápido, geram eventuais gargalhadas e te deixam com saudosismo da Sessão da Tarde, mas sem o estranhamento de ver um filme de outra época cujas piadas envelheceram mal. Hollywood ainda está nos devendo uma refilmagem de O Último guerreiro das estrelas (1984), mas pelo jeito que as coisas estão indo, não deve demorar, talvez logo após Caça-Fantasmas: Além da Vida, previsto para julho desse ano.