Apesar dos momentos lindos, Assunto de Família deixa a desejar
(Assunto de Família tem estreia em circuito comercial em 3 de janeiro de 2019, mas esta na 42ª Mostra Internacional de Cinema)
Hirozaku Kore-eda é considerado um dos principais diretores do cinema japonês contemporâneo. Sua obra é coesa e focada nas família da classe média japonesa. O seu novo longa, Assunto de Família (Manbiki kazoku), segue essa abordagem tendo como cenário um universo muito rico, mas do qual o próprio diretor não soube tirar todo o seu potencial.
O filme conta a história de Osamu (Lily Franky), patriarca de uma família que não tem laços consanguíneos, apesar da visível união entre seus membros. A questão central é que a situação financeira de Osamu está lamentável. Junto com o seu “filho” mais novo, ele aplica pequenos golpes em supermercados e lojas de conveniência para não morrerem de fome. Um dia, ambos se deparam com uma menina de cinco anos que vive em uma situação tão ruim quanto a deles. Logo, decidem adotá-la. Nesse meio tempo, todos os membros da família serão testados para ver até onde vai o amor entre eles.
A história é muito original e nota-se o talento do diretor em trazer momentos humanos, principalmente quando mostra a dinâmica da família. Todos os personagens são ricos e suas relações soam sinceras e afetuosas. Outro ponto que torna esse filme acessível ao espectador, é que seu tema é universal. Mesmo tendo as especificidades da cultura japonesa, é uma história que poderia acontecer em qualquer país.
Porém, a grande questão do filme está em um determinado plot twist que acontece perto do seu final. Se até então o longa não faz nenhum tipo de julgamento moral, ele joga essa tarefa para o público. Por conta dessa reviravolta, vemos tanto o lado atencioso e amoroso do ser humano, quanto o lado egoísta e ambicioso. Isto não é gratuito e fez parte da narrativa, já que os próprios personagens olham diretamente para a câmera, encarando quem está assistindo.
Como terminar uma história?
Se Assunto de Família é consistente e sincero nos seus dois primeiros atos, seus últimos momentos apresentam problemas. Além de arcos pouco significativos – como o da adolescente stripper – o filme se torna autoindulgente e deixa claro a sua moral, inclusive mais de uma vez, durante o seu quarto ato.
É o ponto em que a produção perde sua sinceridade na criação nas belas sequências. Estas são substituídas por um maniqueísmo terrível, que lembram as criações mais bregas de Steven Spielberg, como O Bom Gigante Amigo, nos quais ele praticamente obriga o espectador a chorar.
O que salva Assunto de Família da catástrofe, é mesmo a direção de Kore-eda. Vemos um grande controle de mise-en-scène. Nota-se a influência do mestre japonês Yasujiro Ozu, tanto temática quanto esteticamente. Kore-eda também mexe pouco a câmera e tem um cuidado muito grande na composição dos seus quadros, principalmente em cenas internas.
A sensação ao final de Assunto de Família é positiva. Podia ser um dos filmes mais tocantes do ano, o que não se concretiza por um erro do diretor ao tentar falar mais do que era preciso.