Filmado em 2017, Ameaça Profunda finalmente foi despejado nos cinemas (com os outros naufrágios de janeiro)
Nos Estados Unidos, janeiro é o mês em que é comum lançar filmes dos quais não se espera muito. Já no Brasil, é o momento em que ainda há resquícios de lançamentos de produções que estão na corrida do Oscar, filmes tentando aproveitar premiações para faturar mais no cinema, como o excelente O Farol. A “trama” de Ameaça Profunda (Underwater) se inicia quando há uma falha catastrófica em uma estação subaquática onde trabalha uma equipe de perfuradores. Eles têm que escapar andando através do chão do mar (sim, é sério) para chegar às cápsulas de evacuação que os levarão à superfície. Mas a perfuração acordou monstros que os perseguem.
O começo de Ameaça Profunda já revela muitas indicações sobre o sofrimento que o espectador está para sofrer. Norah (Kristen Stewart, do igualmente sofrível As Panteras), está escovando os dentes quando encontra uma aranha. “O que você está fazendo aqui?”, ela pergunta à aranha. Sentimento ecoado pelo espectador, que quer saber como ela foi parar a quase 7 Km da superfície, que é basicamente uma estação petrolífera no fundo absoluto do mar. Infelizmente, a aranha não responde, o que poderia ter sido um filme muito mais interessante.
A aranha é ignorada e, como tantas outras personagens do filme, nunca mais tem qualquer significância para a história ou desenvolvimento da personagem. Stewart interpreta, através de olhares sérios e frases expositivas regurgitadas, uma engenheira mecânica que mexe super bem com computadores. Ah, e ela teve um noivo que morreu. É isso. Por incrível que pareça, não há mais nada a acrescentar à personagem principal do filme.
Alien: O oitavo passageiro, só que afogado
Não que não seja possível aproveitar um bom filme trash. No ano passado, Predadores Assassinos foi divertido, assustador e surpreendente. Mas o roteiro permitia que tivéssemos um mínimo de preocupação pelas personagens, reviravoltas interessantes e uma premissa que cabia bem com o orçamento limitado e um “alto conceito” (crocodilos num furacão) forte. Ameaça Profunda tem um orçamento cinco vezes maior e entrega um filme pior. O personagem do insuportável T.J. Miller tenta colocar humor escrachado de um homem adulto conversando com um coelho de pelúcia, numa rasa tentativa de incluir Alice no país das maravilhas como referência em múltiplas cenas. Mas só tem tantas piadas de Debi e Lóide que é possível enfiar em um filme de monstros marinhos.
O problema não é nem a existência desse personagem, mas que ele é responsável por uma quantidade insana de diálogo expositivo e tem mais falas que os dois atores principais somados. Aliás, os diálogos se tornam cômicos bem rapidamente. Desde “Porque você não se salvou, você tem um filho!” até “vou fechar esta porta agora”, ou a locução do computador avisando que “a estação agora está 70% comprometida”. O computador fala durante boa parte do filme, explicando o que está acontecendo, já que não dá pra saber pelo ritmo normal, e é frustrante como ele não consegue fechar uma porta sozinho, mas consegue adivinhar o raio de explosão de uma fusão de núcleo em segundos.
No elenco, ainda tem Jessica Henwick (a Colleen Wing de Punho de Ferro) e Vincent Cassel (que tem uma participação bem pequena). Mamoudou Athie é a personagem “minoria simbólica”, então é lógico que morre primeiro, como pode ser visto no material de divulgação do filme.
Lentes cobertas com vaselina
Ameaça Profunda é um filme escuro, com um “filtro de água suja com sal” jogado por cima de 80% das cenas. O resto são três ou quatro pessoas andando em um corredor escuro com água. Pra piorar, a escuridão do fundo do mar é compensada com lanternas nas roupas de mergulho que parecem estar sempre viradas para a câmera, dando a sensação do filme estar tentando criar convulsões. Na quarta vez que são atacados por monstros marinhos, a sequência de ação é tão difícil de seguir que o filme somente corta pra tela preta e retoma de outro ponto. É muito difícil saber o que está acontecendo e com quem, então esse artifício é usado múltiplas vezes para fazer a história andar. Algo acontece, tela preta, volta momentos depois e continua a história sem explicar o que aconteceu ou onde a pessoa está.
Os monstros são horríveis. Não no sentido “bom” da palavra, de dar medo ou náusea, mas de um profundo erro de concepção. Parecem fantasmas com braços longos e aparência levemente humana que desaparecem e depois voltam se não forem importantes para a cena. O mostrado no terceiro ato lembra Cthulhu mas, até lá, fica tão claro que o filme não está remotamente interessado em tentar te divertir que nem isso é possível curtir. Por algum motivo “calças não cabem nas roupas de mergulho”. Então, temos um terceiro ato de Norah correndo de calcinha e sutiã pela estação, em toda a sua forma de “criatura élfica com peito pequeno”. (inacreditavelmente também uma fala do filme)
Ameaça Profunda ainda tem três anúncios de colocação de um bolinho chamado Moon Pie em menos de dez minutos, e doze jump scares em 95 longos minutos de projeção. Eu sei dessa informação porque estava tão entediado que contei. Se quiser a versão trash e divertida de um filme nesse estilo, recomendo Leviathan (1989), Do fundo do mar (1999) ou Megatubarão. A versão melhorada seria O segredo do Abismo (1989).