Cinebiografia de Éder Jofre não faz jus ao ícone
Mesmo quem não está nem aí para o boxe sabe quem é Éder Jofre. Não apenas entre os esportistas brasileiros mais reverenciados, é considerado também um dos maiores pugilistas da História. Entre 1957 e 66, fez uma carreira brilhante e conquistou o título mundial no peso Galo (cerca de 54 Kg). Saiu da aposentadoria em 1970, tornando-se campeão dos penas (cerca de 57 kg). Nenhuma novidade que houvesse interesse em levar essa trajetória ao cinema, não é? E eis que chega 10 Segundos Para Vencer, filme de José Alvarenga Jr.
O projeto, originalmente chamado apenas de 10 Segundos, foi concebido pelo roteirista e produtor Thomas Stavros, responsável pelo texto de Polícia Federal: A Lei É Para Todos. O esforço em transformar a vida do Galo de Ouro em filme não é de agora, pois em 2011 já circulavam notícias sobre a produção.O próprio Stavros chegou a ser anunciado como ator principal e comentava-se que a preparação física já estava em curso.
Não parecia uma boa escolha, levando em conta sua constituição física, algo que nenhum treinamento resolveria. Mas é difícil mesmo encontrar um ator com o biótipo de um peso Galo, então, cabe ao público julgar escolhas como essa. O olhar de quem entende de boxe é mais crítico neste sentido, mas deixemos essa questão de lado… por enquanto. Passou o tempo e 10 Segundos acabou esquecido, até ressuscitar como uma grande produção da Globo Filmes e rebatizado. Agora com Daniel de Oliveira, de Aos Teus Olhos, e Osmar Prado, interpretando o pai do campeão, Aristides “Kid” Jofre, à frente do elenco.
10 Segundos Para Vencer mostra o caminho de Éder Jofre da infância na periferia de São Paulo até o estrelato nos ringues, passando pelas dúvidas e conflitos comuns de quem carrega tanta responsabilidade nos ombros. A pressão familiar, que o faz desistir de quase tudo em favor do boxe, é um dos pontos-chave deste roteiro, espremendo o protagonista entre as tradições pugilísticas de sua família e o amor por Cida, sua esposa. A austeridade do pai e a dificuldade com o peso, que levam aos lendários e inumanos treinamentos aos quais era submetido, aumentam a dificuldade da jornada.
O texto de Thomas Stavros, Patrícia Andrade (Reza A Lenda e Entre Irmãs), José Guertzenstein (do já citado Polícia Federal) e do próprio Alvarenga Jr. não sabe para onde ir. Com essa quantidade de pessoas mexendo em um mesmo roteiro, sempre um péssimo sinal, não é de se espantar. O Éder que acompanhamos no filme não tem características desenvolvidas ao longo da projeção. O que se apresenta como dilema em um momento, como largar ou não os estudos e a necessidade de agradar ao pai, acaba diluído assim que ele decide qual caminho seguir. Perde-se aí, e em momentos posteriores, muito da profundidade do protagonista.
Em termos de diálogos, o filme apresenta obviedades que irritam pelo didatismo, subestimando a plateia. Chega-se a verbalizar de forma direta que a carreira no boxe é algo que Éder segue somente para realizar o sonho de seu pai, como se isso precisasse ser explicado. Um momento constrangedor em particular é a negociação entre o empresário brasileiro e o promotor norte-americano que arranja a primeira grande oportunidade, onde a pobreza dramatúrgica não está apenas nas falas.
Mais acostumado aos produtos Globais, o diretor leva à telona o que existe de pior na dramaturgia televisiva brasileira e em cinebiografias em geral. Fora os diálogos explicativos, 10 Segundos Para Vencer sacrifica sua verossimilhança quando insere cenas reais de Éder Jofre. Não no final, junto aos créditos, mas durante o filme. Como se isso já não fosse ruim o bastante, fazendo o público especular se foi pressa ou um orçamento que não deu conta, o problema acaba potencializado no próximo tópico abordado.
Ator principal perdido, mas bem amparado em cena
Retomando a questão do biótipo, Daniel de Oliveira é uma escolha problemática como protagonista. Seu tipo físico não se encaixa de forma alguma como peso galo, pois a altura do ator já é um obstáculo. Quando o filme, antes de terminar, esfrega na cara do público as imagens da pessoa real, a presença do ator acaba ainda mais prejudicada.
Sobre sua atuação de forma geral, existe uma falha grave que o diretor tinha a obrigação de perceber e corrigir durante a filmagem. A composição da fala oscila, evidenciando um sotaque paulistano forte em alguns momentos, lembrando mesmo o Éder real, que é esquecido em outras cenas. Mais um detalhe que prejudica a experiência do espectador, só que o protagonista contou com um parceiro de cena de peso como seu segundo no elenco.
Osmar Prado brilha como Kid Jofre. Encarna e defende seu personagem com uma dignidade encantadora, caprichando nos trejeitos vocais e na expressão corporal. O veterano ator, sem o auxílio de maquiagem pesada, some debaixo da dureza e da energia contrastada pela sua baixa estatura. O melhor do elenco – cujo referencial não é notável, mas a distância é estratosférica – e uma das poucas coisas boas que o filme tem a oferecer.
No quesito técnico, a fotografia merece comentários
O jogo de luz e sombra da fotografia, cortesia de Lula Carvalho (Bingo: O Rei Das Manhãs e 7 Dias em Entebbe), é um esforço bem sucedido e muito bem vindo. Apesar dos problemas estruturais do texto, 10 Segundos Para Vencer mantém a coerência visual. É uma iluminação que parece preocupar-se mais com a dramaticidade do que o roteiro e a direção, evidentemente, sem possibilidade de salvar o conjunto sozinha. Nem por isso, o bom trabalho deve ser desconsiderado.
Estabelecendo o ponto culminante da jornada na retomada e conquista do bicampeonato mundial, o filme também falha em entregar uma disputa minimamente empolgante dentro dos ringues. Faltou aos realizadores a compreensão de como funciona uma boa coreografia de boxe, relativamente realista, e sua decupagem. Exemplos não faltam, já que o esporte foi inúmeras vezes levado às telas. Ironicamente, Daniel de Oliveira mostra uma boa preparação e seria convincente como boxeador em um filme sem conteúdo biográfico. Mais esforço desperdiçado.
10 Segundos Para Vencer ainda arrisca-se ao delinear, muito por cima, uma psicologia mais complexa para seu personagem principal, usando um recurso mais subjetivo que acaba totalmente deslocado. São inserções que poderiam ser cortadas da edição final sem o menor prejuízo, mas permaneceram e corroboram o que já era uma constatação evidente. A história de vida do Galo de Ouro merecia um tratamento mais digno.
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