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A escrita envolvente de Quentin Tarantino!

O que diferencia os geniais roteiros de Quentin Tarantino?

Quentin Tarantino é um dos mais cultuados cineastas do cinema recente. Apesar de sua enorme capacidade como diretor, criando cenas inesquecíveis, é inegável que seu ponto forte seja seus roteiros. Personagens multidimensionais, diálogos afiados e originais, cenas memoráveis… seus roteiros tem um jeito de contar história, que, só de alguém explicar a narrativa por fora, é possível você acabar dizendo: “Esse é um roteiro de Quentin Tarantino, não?”

quentin tarantino

O agora veterano diretor Quentin Tarantino!

Diálogos

Incontestavelmente, ao ser indagada sobre quais são as principais características dos roteiros de tarantinescos, qualquer pessoa terá entre as respostas a palavra “diálogo”. O cineasta se apropriou do elemento com tamanha originalidade, que veio a se tornar sua marca registrada. Em alguns momentos, seus personagens conversam de maneira que, inicialmente, parece banal (mesmo que fiquemos interessados por cada frase pronunciada), mas se engana quem acha que os diálogos estão ali por estar. Seus diálogos têm muito mais propósito do que parecem ter.
No início de Cães de Aluguel, são usados para causar empatia entre o público e personagens.

Estes personagens irão cometer crimes e agir de maneiras reprováveis posteriormente, mas o público não se distanciará deles por isso; em Pulp Fiction, o icônico diálogo sobre como o quarteirão com queijo é chamado na França, também é usado com o mesmo propósito e antecede um outro diálogo ainda mais genial, onde Tarantino apresenta Jules, Vincent, Marcellus e Mia Wallace através de uma conversa de 4 minutos sobre massagens nos pés.

Seus diálogos também são usados para aumentar a tensão em uma cena da qual já sabemos como vai terminar: com morte! Ele faz isso na cena em que Jules cita um versículo bíblico antes de matar Brett em Pulp Fiction, ou na que o Major Marquis Warren desvenda toda a mentira usada para libertar Daisy Domergue em Os Oito Odiados. Normalmente, a cena já nos apresenta o contexto inicialmente, mostrando quem vai matar e quem pode morrer, mas Tarantino a prolonga o máximo que pode, de modo que nos deixe cada vez mais agoniados com o fim sanguinolento se aproximando.

O uso consciente da violência

Falando sobre a violência, é preciso desmitificar a frase “Quentin Tarantino usa e abusa da violência gratuita”. Não há violência gratuita em seus filmes! Há sempre o propósito, e a forma como ele constrói cenas violentas é (me tornarei redundante com essa palavra durante esse artigo, mas vamos lá) genial!
Em minha análise pessoal, a violência é usada nos filmes do diretor com três diferentes propósitos: surpreender, criticar e divertir.

Para surpreender, o diretor usa um artifício muito recorrente em seus filmes, que é o afastamento. Ele nos afasta intencionalmente do filme com diálogos corriqueiros (conversa sobre intervenção divina em Pulp Fiction), cenas engraçadas (dança de Jules e Mia Wallace) e a metaficção (como em Kill Bill vol. 1, em que a história de O-ren Ishii é contada em um curto anime). Após nos afastar, somos surpreendidos com a violência inesperada (a morte de Marvin em Pulp Fiction, por exemplo). Isso causa um choque instantâneo no espectador, que não esperava por aquilo.

Para divertir usando a violência, as cenas são construídas de maneira que não nos choquem. E o cineasta faz isso de diversas formas: em Cães de Aluguel, Mr. Blonde dança de maneira desajeitada uma música dos anos 70 e corta a orelha de um policial; em Kill Bill, o diretor fez questão que o sangue fosse bem vermelho, o diferenciando do sangue real (isso, sem mencionar os esguichos exagerados e as cabeças voando, o que tornam essas cenas de combate menos realistas e mais bizarras); e em Django Livre, quando Django escapa novamente da escravidão e volta à Candyland, pede para Cora dizer adeus à Sra. Lara. Quando ela diz o adeus, Django atira e Sra. Lara voa de maneira exagerada numa direção sem sentido. A cena é hilária!

Para criticar, o cineasta usa dos momentos sérios e realmente violentos em seus filmes. Na cena em que Calvin Candie solta os cachorros para matarem seu escravo, Quentin a constrói de maneira séria, fazendo o papel necessário de qualquer pessoa que se proponha a fazer um filme sobre a escravidão: retratar a triste realidade dos negros daquela época e nos mostrar como nossos antepassados foram racistas e cruéis. Há também o clímax de Bastardos Inglórios, onde Shoshanna e Frederick Zoller matam um ao outro na sala de projeção de um cinema. Ao mesmo tempo, lá em baixo, alemães se divertem ao assistir os assassinatos do soldado alemão em um filme tão violento quanto os de Quentin. O cineasta nos coloca no mesmo lugar dos alemães. Nos mostra que, caso critiquemos a violência, somos hipócritas, pois rimos e nos divertimos com a mesma, ao assistir seus filmes.

Criação de expectativa

Um artifício constantemente usado em seus filmes, é o aumento de expectativa através (observem que irônico) da quebra de expectativa. Em Cães de Aluguel, já perto do clímax, “Nice Guy” Eddie, Mr. White e Mr. Pink saem para pegar a maleta de diamantes. Mr. Blonde fica, tortura o policial e, ao quase atear fogo no mesmo, é morto por Mr. Orange, que nos revela ser o infiltrado. Após nos dar esta informação, ao invés de trazer os outros três personagens de volta, causando um conflito enorme, Quentin Tarantino segue com um flashback contando como Mr. Orange se infiltrou. Isso afasta o espectador, mas o deixa duas vezes mais ansioso pelo conflito, quando retorna para o presente.

O cineasta faz o mesmo em Os Oito Odiados, quando o Major Warren leva um tiro nas partes íntimas e, ao invés de nos revelar quem é que está debaixo do assoalho de maneira rápida, ele nos leva para um flashback mais detalhado. Em Bastardos Inglórios, isso acontece rapidamente no momento em que Von Hammesmark revela para Aldo e Donnie que Hitler estará na première, e o diretor corta para um flashback desnecessário de Hitler dizendo a mesma coisa. Ao voltar para os dois, finalmente vemos a reação deles ao receber essa importantíssima informação.

Brincando com a audiência

É inegável que Quentin Tarantino tenha um poder narrativo que deixa o público na palma de sua mão, durante seus filmes. Ele faz rir, assusta, choca, critica, nos deixa horrorizados, faz rir novamente… o diretor tem consciência disso. Ele diz que ao escrever suas cenas, ouve a reação do público em sua cabeça, e que só quando o filme está pronto, durante as projeções, descobre se acertou ou falhou naquilo.

Em entrevista para Bafta, Quentin diz se imaginar como um maestro e sentir essa reação da audiência como sua orquestra. Ele conduz o espectador a diversos sentimentos e reações. Ele está sempre nos levando de uma reação à outra muito rapidamente. Enquanto rimos durante o debate sobre intervenção divina de Jules e Vincent, a arma dispara e explode a cabeça de Marvin, horrorizando a plateia que, logo depois do choque passar, ao ver que o carro está repleto de sangue em plena luz do dia e os dois sem saberem o que fazer, volta a rir.

As referências

Falar das referências dos filmes dele pode ser redundante, mas não é exatamente essa a intenção de quem vos escreve. Como não ser redundante, ao falar de um dos cineastas mais falados e analisados da atualidade? Todos sabemos que Cães de Aluguel foi praticamente um reboot de um filme chinês chamado City on Fire; que a dança do filme , de Federico Fellini, inspirou Tarantino para a cena dança em Pulp Fiction; que o versículo “Ezekiel 25:17” citado por Jules, na verdade, foi criado por Sonny Chiba em The Bodyguard… enfim, referência em seus filmes é o que não falta e a maioria delas já foi comentada em exaustão. Meu interesse aqui é comentar o porquê dessas referências.

Acho extremamente injusto quando ouço que Tarantino é um plagiador e que não tem criatividade (acredite, existem pessoas dizendo isso no mundo). O diretor, como sabemos, é apaixonado por cinema e, através das referências, usa o moderno para nos convidar a conhecer o clássico. Eu mesmo, fui procurar Kiss Me Deadly após saber que havia inspirado a cena de Vincent abrindo a maleta em Pulp Fiction; assisti Il Mercenario, de Sergio Corbucci, após descobrir que a maravilhosa trilha usada enquanto Kiddo está enterrada viva em Kill Bill vol.2, foi originalmente composta (pelo mestre Ennio Morricone) para esse filme; até mesmo as empresas responsáveis por restaurar filmes antigos, começaram a relançar faroestes clássicos após o sucesso de Django Livre.

É essa a contribuição dele para o cinema. Se utiliza dos clássicos, trazendo-os para o público mais jovem. É como se ele dissesse: “olha, se você gostou do meu filme, vai gostar mais ainda de conhecer o original, aquele que me inspirou”. Quentin Tarantino venera as melhores coisas que já passaram pelo cinema e, talvez, nem mesmo perceba que aos poucos, está se tornando mais um que será amplamente homenageado e lembrado no futuro, por ter se incluído entre os melhores de sua geração.

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