Lumière e Companhia: um filme sobre o cinema, sua origem e razão de existir
Lumière e Companhia (1995) consiste em uma antologia de curtas metragem que parece ter sido feita sob medida de cinéfilo para cinéfilo. Um filme que apela à paixão pela sétima arte, tanto por parte dos realizadores quanto do espectador, resgatando a história do audiovisual desde de sua mais pura origem e filosofando sobre uma simples pergunta: o que é o cinema?
É um lugar onde vamos para assistir um filme? É uma das diversas formas de arte? É o resultado de loucos trabalhando em frente e atrás de câmeras? É uma forma de construir sonhos? É a evolução das artes plásticas, da literatura, do teatro e da música? É tudo isso junto?
Para que serve o cinema
Ao longo do tempo, diversos filmes mergulharam no vasto significado desta arte e, principalmente, no universo singular das pessoas do cinema – a substância de um filme. Podemos lembrar de clássicos como 8 e 1/2 e A Noite Americana, essencialmente metalinguísticos, que exploram as intrigas dos bastidores e os fantasmas da criatividade. Também podemos lembrar de Janela Indiscreta (o homem e sua lente), Jogo de Cena (o que vemos é real?) ou Bang-Bang (vale tudo na frente da câmera). Filmes que brincam – e por vezes distorcem – o significado de lentes, câmeras, atores, textos. Em resumo, dançam entre faíscas de verdade e mentira.
(Você pode conferir mais sobre a metalinguagem no cinema neste link)
Mas como qualquer outro segmento da arte, não há uma resposta objetiva para sua razão de existir. A arte é fruto da criatividade, de impulsos dos sentimentos humanos e sua inigualável necessidade de expressão. Pois bem, Lumière e Companhia não é só um filme sobre cinema, mas consiste em um avançado estudo sobre a constante metamorfose da linguagem.
Lumière, câmeras, ação!
As regras são simples: 100 anos após a invenção do cinematógrafo (creditada aos irmãos Lumière), 40 diretores modernos aceitam fazer um filme utilizando o aparelho, máquina de gravação e reprodução – que pode ser considerado o principal marco da origem cinematográfica. Cada curta-metragem não pode exceder 52 segundos, nem ter captação de som direta, deve ser gravado em um plano sequência e em no máximo 3 takes. Portanto, reproduzindo as características básicas do icônico filme dos irmãos Lumière: A chegada do trem à estação, de 1895).
Entre os curtas realizados assistimos a rápidas entrevistas com cada um dos diretores, as quais exploram suas opiniões sobre essa arte misteriosa. Em uma dessas conversas, Jacques Rivette é questionado: “Por que você filma, sr. Rivette?” Após alguns risos, ele finalmente responde: “A resposta para mim poderia ser um longo silêncio.” Em outro momento, a questão abordada é: o cinema é mortal? A medida que nos aproximamos do fim, percebemos que as respostas mostram que este é um filme sobre a infinita diversidade que a arte pode apresentar.
(Diversos autores se dedicaram a escrever sobre o cinema, você pode conferir algumas dicas no link)
Acima de tudo, o grande prazer não está em observar diretores divagando sobre a arte ou seu significado, mas efetivamente colocando a mão na massa. Entre alguns dos realizadores, encontramos aqui Liv Ullmann, Spike Lee, Costa Gravas, entre outros. Os resultados obtidos são deliciosamente variados. Gabriel Axel narra a evolução da arte em 52 segundos, saltando entre as artes plásticas, a dança, música, etc., até atingir o enlouquecedor universo do cinema.
Jaco Van Dormael nos mostra um casal apaixonado se beijando com uma timidez que somente a lente pode provocar. Zhang Yimou mostra um salto no tempo através de um lindo take nas muralhas da China. Claude Lelouch também explora um beijo, mas sob uma óptica alternativa. E é claro, David Lynch não pisa no freio e realiza um filme bem elaborado, intrigante e surrealista (52 segundos foram o suficiente… Por que não estou surpreso?).
Melhor do escrever sobre este filme é ter o prazer de assistí-lo por quantas vezes forem possíveis. Dentre longas que buscam compreender a razão de existir por trás do cinema, este certamente é um dos grandes destaques. Devido a sua desafiadora simplicidade em sintetizar a necessidade de convivência em harmonia entre o velho e o novo, bem como mostrar que dentro de cada cineasta vivo, seja ele quem for, mais de 100 anos de história habitam seu sangue e correm por suas veias sem parar.
E nunca vai parar. Somente…
Transformar.