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O Homem de Palha – Horror é questão de perspectiva!

O clássico O Homem de Palha, dirigido por Robin Hardy e estrelado por Christopher Lee

Lançado em 1973, O Homem de Palha (The Wicker Man) se mantém como um marco do cinema de horror e fonte de inspiração para produções atuais (Corra!, por exemplo, tem boas semelhanças com o longa) ou até mesmo para a música (a banda Iron Maiden lançou um hit de mesmo nome no começo dos anos 2000). Mas o que o consolida como clássico? Por que ele foi tão influente na construção da cultura pop? Vamos descobrir.

(Outro exemplo de sua influência é o clipe de Burn the Witch, da banda Radiohead).

Artigo - O Homem de Palha

A sinopse e uma breve contextualização

O policial Neil Howie (Edward Woodward) recebe uma carta anônima que comunica o desaparecimento de uma menina. Tudo que ele tem é uma foto e seu nome: Rowan Morrison. Parte sozinho em um avião em direção ao local do mistério, a ilha de Sommerisle, liderada por um Lorde (Christopher Lee). Na ilha, o policial observa um ambiente estranho. Ele, cristão convicto, encontra uma micro sociedade praticante de rituais pagãos, sexualmente liberalista e fiel às divindades do passado (Sol, Terra), sequer mencionando Jesus Cristo em seu cotidiano. Cada vez mais intrigado, Neil investiga o desaparecimento da garota, tornando todos os habitantes suspeitos.

No final dos anos 50 e durante a década seguinte, um estúdio inglês teve grande relevância no cinema de horror. A Hammer Film Productions foi responsável por revisitar grandes clássicos da literatura (naquele tempo, já clássicos do cinema) como Frankenstein e Drácula, proporcionando uma nova roupagem a estas histórias. A estética dos filmes foi modernizada em relação aos clássicos dos anos 30 e 40 produzidos pela Universal, mas ainda fazendo horror de forma ortodoxa: sombras, sangue, mansões tenebrosas. Ao longo dos anos 60, o estúdio viveu seus dias de maior glória.

Já na década de 1970, o cenário começou a mudar. Alguns longas americanos marcaram a reformulação do gênero de horror, como O Exorcista (1973) e O Massacre da Serra Elétrica (1974). Na Inglaterra, sem envolvimento da Hammer, O Homem de Palha também foi um desses filmes que marcou o universo do gênero para sempre, contrariando qualquer estética já aproveitada e construindo este verdadeiro colosso que com prazer chamamos de clássico.

O roteiro escrito por Anthony Shaffer (também autor do excelente Frenesi de Hitchcock, um ano antes) buscava mais do que o horror já conhecido. Inspirado no livro Ritual, de David Pinner, a trama foi desenvolvida com a intenção de explorar a concepção de um ritual e de seu papel para uma sociedade. Ainda, provoca o embate entre diferentes religiões e, principalmente, a moral na qual são cultivadas. O filme não trata propriamente da existência do divino, mas sim do comportamento humano, da prática da fé e do resultado de uma sociedade guiada por essa ou aquela orientação moral.

(Você pode conferir também o Formiga na Tela que faz o comparativo entre o filme original e seu remake de 2006).

O filme está situado no curioso gênero de horror/musical. A linguagem desenvolvida por Robin Hardy (cuja carreira infelizmente estacionou por aqui) é moderna e ainda se mantém poderosa, não por acaso tendo o filme sido considerado por uma revista como um Cidadão Kane do horror. A maior parte do filme acontece à luz do dia e a trilha sonora composta por Paul Giovanni nos transporta para um ambiente doce, mas estranho. Em boa parte, é completamente cafona e isso não é um defeito, mas uma virtude. A sensação de incredulidade ao decorrer da trama é fundamental para se atingir o resultado final.

Artigo - O Homem de Palha

O recém-chegado em seu primeiro contato com os locais.

O absurdo e o conflito entre opostos

Iniciamos o longa (em sua versão estendida) com um ritual religioso cristão e (isso está longe de ser um spoiler) terminaremos o filme com um ritual religioso pagão. Balanço. Ao longo da obra uma sinfonia de cores se estabelece. Enquanto o policial Neil veste suas fardas em cor preta, ora para Cristo e é extremamente rigoroso consigo e os demais, os habitantes da ilha são contrários. Vestem menos roupas (ou nada) nas mais diversas cores e certamente mais confortáveis. Para Neil, a nudez é quase castigável e, aos demais, é objeto de naturalidade. Um condena o desejo, os demais dele desfrutam. Enquanto uns evocam as leis primárias do amor, da terra e da natureza, o policial representa a ordem de uma sociedade, que para ele, é moralmente evoluída.

(Exemplo desse balanço entre o início e o final de O Homem de Palha pode ser conferido neste vídeo).

Frame a Frame, somos absorvidos por esse ambiente estranhamente lindo, mas certamente ameaçador. A luz do dia, a trilha sonora doce, o aproveitamento de diversas cores, as personagens carinhosas plantam em nossos sentidos a expectativa de que algo trágico está a caminho. Ao passo que o mistério do desaparecimento da garota começa a caminhar para sua solução, passamos a ter a certeza do perigo iminente. A fotografia quase documental sustenta um tom de realismo, reforçando a posição daquele policial como um absoluto estranho no ninho.

Robin Hardy e toda sua equipe nos proporcionam uma experiência primorosa, ainda impactante e desafiador. A realização do filme aconteceu devido principalmente a vontade dos envolvidos em fazê-lo, não permitindo que as dificuldades do baixo orçamento detivessem seu desejo pela realização. Christopher Lee recebeu um cachê muito abaixo de seu preço na época, defendendo até a morte que este foi o maior filme no qual já trabalhou. Atitudes de heróis que fizeram de uma ideia algo real.

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Uma celebração peculiar…

“Você nunca vai entender a verdadeira natureza de um sacrifício”.

Essas palavras são ditas a Neil durante o longa. Talvez, ao final da trama, o policial seja capaz de compreender a verdadeira natureza de um sacrifício. Talvez todos nós sejamos. A conclusão do filme convida o espectador a elevar este pequeno julgamento que foi instaurado a uma potência ainda mais alta. Explora a indagação sobre quais as virtudes/defeitos de um líder e até que ponto nós, humanos, temos a consciência como aliada.

O Homem de Palha confunde os significados das palavras fé e esperança. Ritual e Sacrifício.

Absolutamente original e, certamente, um clássico.

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