O Godzilla de Gareth Edwards é mais do que uma refilmagem, é uma reparação de Hollywood sobre o crime realizado em 1998 por Roland Emmerich e também um puxãozinho de orelha na própria Toho, proprietária dos direitos do Monstrão, que também não evitou pisar na bola, como nos horríveis Godzilla 2000 e Godzilla Final Wars. Este último, que deveria comemorar os 50 anos do personagem, chega a ser infamante de tão ruim, só para não mencionar a péssima filmografia dos anos 60 e 70.
Na verdade, Edwards não precisou fazer muito. Apenas recuperou o ícone na sua origem, reviu alguns pontos para realocá-lo no século XXI e o soltou de novo para ele fazer aquilo que sabe fazer melhor: combater outros monstros gigantes destruindo tudo o que há ao seu redor sem que desta vez entediasse o espectador com algum roteiro retardado ou longas sequências cansativas e sem sentido. O filme é em essência o mais próximo e fidedigno do Godzilla original, o Rei dos Monstros, cujo quintal é a Terra. Não tem para mais ninguém e, muito obrigado, com certeza vai agradar o mesmo público de Círculo de Fogo – de Guillermo Del Toro – e quem mais quiser entrar numa sala de cinema desejando voltar a ter doze anos, sem medo de ser feliz.
Na estória, um “acidente” na usina nuclear japonesa, onde trabalham o Dr. Brody (Bryan Cranston) e sua esposa Sandra (Juliette Binoche), está interconectado com uma descoberta paleontológica sem precedentes nas Filipinas. A tragédia torna Brody obcecado pelos misteriosos pulsos eletromagnéticos que detectou durante o desastre, mergulhando num isolamento paranoico ao longo dos anos e afastando-se cada vez mais de seu único filho, Ford (Aaron Taylor-Johnson). Em paralelo, há a busca frenética do Dr. Serizawa (vivido por um Ken Watanabe cuja cara de perplexo não esconde a canastrice) pelo paradeiro do lendário Gojira. O drama familiar dos Brody se cruza com uma conspiração global, acobertando a existência de uma gigantesca criatura jurássica que se nutre basicamente de radioatividade. O disparo desta conspiração para o enredo principal é quando se descobre haver mais de uma destas criaturas, e pior, além de se alimentarem de ogivas nucleares como se fossem guiozas, estão também mais do que dispostas a se reproduzirem, não importando que muitos milhões morram nesta bacanal.
A explicação revista para o surgimento destas criaturas é tão implausível quando a original de 1954, mas não menos moralista. É a arrogância humana, obviamente, a principal responsável pela série de catástrofes e mortes e todo o seu poderio militar pouco ou nada podem fazer a respeito. Tudo acaba se reduzindo à expectativa patética da humanidade engaiolada num campo de batalha colossal entre predadores quase divinos, não tendo outra opção além de ter de escolher um deles como seu Salvador. Naturalmente, é o charme de Godzilla que ganha o concurso.
Apesar de ser mais um blockbuster intestinal, este novo Godzilla se empenha com algum sucesso em devolver este ícone da cultura pop japonesa a seu pedestal de Rei Dos Monstros. Mesmo não sendo mais do que um bom e velho filme de lutas de titãs, é uma película bastante honesta, o que mostra, como em Círculo de Fogo, que a indústria cultural de Hollywood está bem atenta a esta curiosa e perene demanda do público, inaugurada pela adaptação do livro de Sir Arthur Conan Doyle, O Mundo Perdido, lá pelos primórdios do cinema, mas o segredo de como a indústria cultural conseguiu manter Godzilla por mais de meio século tão vivo no imaginário global, é um assunto para um outro momento.