Um grande momento em The Twilight Zone, com a assinatura do brilhante Rod Serling, criador da série
“Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região Além da Imaginação.” Assim se iniciavam os episódios de The Twilight Zone na TV brasileira, batizada por aqui como Além da Imaginação, apresentando pequenos contos que iam muito além do mero escapismo.
(confira também o Formiga na Tela sobre Além da Imaginação)
Uma série diferente de qualquer outra. O lendário Rod Serling criou um mito, que se faz relevante até os dias de hoje. Trata-se de uma fonte de influência quase ilimitada para a cultura pop. The Twilight Zone é uma série de roteiros envolventes e inovadores, de finais surpreendentes e de linguagens criativas. Uma série com grandes ideias, que mescla brilhantemente drama, comédia, suspense, horror e sci-fi. Acima de tudo, seus episódios são compostos de poderosas críticas sobre a sociedade e seus indivíduos, em suas maiores virtudes e suas mais desesperadoras imperfeições. Um feito e tanto para uma série originalmente exibida entre 1959 e 64.
O Monstro da Rua Maple (The Monsters are Due on Maple Street – 22º episódio da 1ª temporada, 1960) é um desses exemplos. Um dos momentos mais icônicos da série, que, inclusive, recebeu uma atualização na segunda tentativa de remake do seriado, em 2003.
Cena de abertura, bairro tranquilo e amável. Crianças tomando sorvete, brincando. Adultos regando plantas, cuidando de seus carros. Um tom de domingo tranquilo no ar. Um retrato da sociedade comum de um bairro de classe média dos anos 50/60. De repente, um clarão misterioso e todos olham intrigados para o céu. O que aconteceu? Um pequeno garoto logo explica que foram visitantes do espaço, cujo disfarce é figurar como uma família comum (um pai, uma mãe, filhos).
A princípio a informação é recebida como piada, mas logo os olhares se cruzam em perplexidade. As máquinas e energia elétrica não mais funcionam. Pensando nos dias de hoje, seria algo como uma sociedade sem celulares, internet, televisão, notebooks, carros, etc… Quem será o estranho entre eles? Os dedos começam a se apontar em fúria, fazendo de Maple Street um pequeno terreno de inquisição e preconceito.
O caos se instala
Ao invés de procurar uma solução, os moradores de Maple Street buscam um culpado para aquela situação. Este é o primeiro grande elemento de destaque no episódio. A reação perante o desconhecido leva inevitavelmente os homens ao instinto de preservação e, por consequência, acusação. Pouco a pouco, os suspeitos vão surgindo e os moradores atuam como um pequeno juri popular dono de toda a verdade. Neste episódio de The Twilight Zone, há uma síntese de nossa essência demoníaca, de nossa alma covarde e corrompível. As opiniões das personagens são influenciáveis de acordo com a tendência do todo.
(a série Black Mirror teve muita influência de Além da Imaginação. Confira o FormigaCast sobre as duas primeiras temporadas)
Daqui em diante, o foco do texto não será no desenrolar da trama, mas nos interessantes atributos de sua linguagem narrativa.
Alfred Hitchcock mencionou em entrevista o conceito de “cinematografia pura”, que consiste em cortes baseados no ponto de vista das personagens. Por exemplo, mostra-se a imagem de um homem parado na rua e então a câmera corta para o seu ponto de vista (que mostra uma criança brincando com sua mãe). Então a câmera retorna para o homem que sorri. Portanto,o público se depara com um personagem doce e carinhoso. Contudo, se alterarmos a imagem de uma criança com sua mãe para uma mulher de biquini, então o sorriso do homem seria pervertido e malicioso, alterando sua personagem. Neste episódio, o recurso é muito bem utilizado, indicando a reação das personagens perante os fatos. O significado de um corte é bem aproveitado aqui e não meramente estético.
Outro artificio bem realizado é a capacidade do roteiro e direção em inserir elementos na trama (ao início) que em seu desfecho serão aproveitados. Uma vez apresentados ao público inicialmente, no grande clímax da história, naturalmente já reconhecemos aquele objeto que aumenta o suspense quando surge na tela. Em outras palavras, logo no início da trama é apresentado ao público um homem de macacão com um martelo ao lado de sua roupa e, mais ao final, a imagem se repete em uma outra situação. Isso causa apreensão ao espectador, que reconhece aquela personagem e aguarda por suas conclusões.
Por fim, o desfecho do episódio é um pandemônio de imagens que se entrelaçam, criando um verdadeiro caos visual. Em 25 minutos muito bem aproveitados, Rod Serling (roteirista), Ron Winston (diretor) e toda a equipe realizam um excelente episódio de The Twilight Zone que, como é tradicional na série, traz uma conclusão surpreendente.
Seu conceito é sólido, não deixando dúvidas sobre o objetivo. Trata-se de uma série imortal, com episódios que consistem verdadeiras obras primas que influenciam criadores até os dias de hoje, mantendo-se atual como os grandes trabalhos conseguem ser. Infelizmente, o tema deste episódio, como dito pelo próprio Rod Serling como narrador, não acontece somente no microcosmo fictício.
A zona do crepúsculo é aqui…
(Confira também um artigo sobre a relação entre Watchmen e a série clássica Quinta Dimensão)