Impossível não imaginar como Trillium seria se fosse um filme…
A proposta do selo Vertigo, da DC Comics, é a publicação de histórias adultas. Mas essa linha de HQ’s acabou virando sinônimo de Fantasia, Terror e afins. Isso por causa do sucesso de títulos como Sandman, Monstro do Pântano, Hellblazer e por aí vai. Difícil lembrar de investidas na Ficção Científica, talvez pela falta de projetos dos próprios autores. Trillium (idem) se destaca não apenas por isso, mas também pelo seu roteiro que encanta os admiradores de uma boa sci fi.
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Publicada originalmente em 2013, foi lançada por aqui pela Panini, já há algum tempo, em um encadernado com seus oito capítulos. Escrita e ilustrada pelo polivalente Jeff Lemire*, a HQ traz um sentimento absolutamente agradável e que os leitores conhecem bem, que é imaginar aquilo tudo transformado em uma grande produção cinematográfica. Ainda que subjetivo, é um mérito indiscutível, sem dúvida. Trillium, inclusive, tem elementos que remetem a A Fonte da Vida, de Darren Aronofsky, e Interestelar, de Christopher Nolan.
*(Confira as resenhas de Black Hammer Vol. 1 e Vol. 2, Nada A Perder e O Soldador Subaquático)
O roteiro entrelaça dois momentos distintos da humanidade. Já na segunda metade do quarto milênio, Nika integra um grupo em expedição a outro planeta, tentando encontrar uma forma de deter um vírus mortal chamado “Coifa”, que reduziu a população da Terra em poucos milhares. A solução pode ser a flor que dá título à história, encontrada naquele mundo estranho. Antes, porém, será preciso descobrir como comunicar-se com os nativos que vivem no interior de um misterioso templo.
No início da década de 1920, William é um traumatizado veterano da Primeira Guerra. Sua obsessão gira em torno de uma aventura pelas selvas do Peru, atrás de um templo que, supostamente, pode trazer algum sentido à sua vida. Mesmo arriscando outras pessoas durante esse processo.
Uma mulher e um homem separados por quase dois mil anos, porém ligados por uma construção e uma cultura que transcende tempo e espaço. No meio disso tudo, a salvação da espécie humana. Já soa interessante como premissa e a condução desta trama não decepciona, dosando sabiamente os elementos mais “cabeçudos” com aqueles mais emotivos, cuja apresentação dos protagonistas já denotava. Trillium tem mais esse ponto a seu favor, explorando dramas pessoais que não ofuscam seu conteúdo mais denso e contemplativo. E vice-versa, óbvio.
Defeitos mais ou menos relativos
Depois de enaltecer a ideia que move a HQ, é preciso reconhecer que há elementos conceituais que podem ser incômodos para alguns leitores. São clichês bastante comuns, que nos lembram de obras com bem menos profundidade. Um exemplo disso é a militar cabeça-dura que prefere o bombardeio ao diálogo, pouco importando-se se vai erradicar um povo inocente para chegar a um objetivo.
Também existe aquela tradicional corrida contra o tempo, onde os bem-intencionados precisam cumprir uma meta antes que os truculentos militares destruam tudo. Se você, nesse momento, lembrou de Avatar, saiba que não foi o único. Mas, como já observado, é um pecadilho que arranha pouco a realização.
Sobre a arte e narrativa visual de Jeff Lemire, muita gente já sabe o que esperar. Se já gosta de seu estilo, está tudo lá e terá muito pouco, ou nada, para reclamar, já que o canadense sempre procura soluções gráficas interessantes para suas histórias menos fincadas na realidade. Um exemplo disso é o capítulo em que temos Nika e William em narrativas separadas, mas simultâneas e inversas, com as páginas divididas pela metade. Enquanto um segmento desenrola-se de maneira convencional, da esquerda para a direita, o outro precisa ter a revista virada de cabeça para baixo, começando na página em que o outro terminou.
Falando mais especificamente sobre seus traços, é difícil – para quem ainda não teve o prazer de ler Trillium -imaginá-lo como desenhista de uma Ficção Científica. Em pequenos textos nos extras da edição, ele mesmo admite que seu perfil de artista é um tanto estranho para esse trabalho. Bem, de fato, é exatamente isso.
Mesmo cumprindo bem a função aqui e entregando um trabalho acima da média em um gênero que aparece pouco (falando em termos de Brasil, claro), é de se pensar como seria esse resultado final com um ilustrador como Gabriel Hardman, que, além de quadrinhista, trabalhou no departamento de arte do já citado Interestelar, Logan e O Cavaleiro das Trevas.
Imperdível para fãs de Sci fi e de boas histórias
O começo do texto já havia deixado claro que Trillium é mais do que recomendado. Mais do que uma obra que corrobora a competência e a imaginação de Jeff Lemire, é um presente para os amantes da boa Ficção Científica, que não engolem a superficialidade da maioria dos filmes e séries de TV da atualidade. Apesar dos clichês, é mais bem pensado e consegue ir mais fundo em alguns tópicos – como a comunicação, por exemplo – do que uma produção hollywoodiana enorme como A Chegada.
Além de tudo, ainda insistindo na comparação com o Cinema, é sempre bom lembrar o custo de produção e os recursos envolvidos na comparação entre um e outro. Falta de dinheiro é um problema, mas falta de imaginação é muito pior. Felizmente, a segunda não falta a Lemire e, de quebra, ele ainda inspira os leitores que tiverem quaisquer aspirações criativas, independente da grandiosidade dessas ideias.