Odin, Thor e cia. ajudando a Alemanha em Os Devoradores de Vidas
Em se tratando de ficção, um pano de fundo histórico já chama atenção do público. Pode ser pelo fato de um período em especial exercer um apelo grande, mas a curiosidade é maior quando os fatos se misturam com eventos criados pelo autor. Sabe aquela velha pergunta: e se Hitler tivesse vencido a Segunda Guerra? Os Devoradores de Vidas (The Life Eaters) tem essa proposta de História Alternativa, mas com altas doses de fantasia.
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A HQ foi lançada pela Mythos* em 2018, originalmente publicada no começo da década passada pela DC/Wildstorm. Em 2015, uma nova edição saiu pela IDW. O norte-americano David Brin, responsável pelo roteiro, imaginou um auxílio inusitado para a Alemanha cambaleante em 1944. Os Aliados são surpreendidos no campo de batalha pelas divindades do panteão nórdico, mudando o rumo do conflito e prolongando-o em direção ao que parece a vitória do Reich.
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Brin, cientista e escritor premiado de ficção científica, concebeu uma premissa realmente interessante. Iniciando sua trama em 1962, com a Guerra ainda em curso, encontramos os Aliados a caminho de uma missão suicida. O motivo pelo qual os nazistas ainda não venceram é que seus inimigos contam com a misteriosa ajuda de Loki. Sem opção, a OSS segue sua agenda ao lado do Aesir renegado.
Dividindo o álbum de 144 páginas em três segmentos, o primeiro tem como figura principal o agente Chris Turing. Tentando entender como todo aquele contexto fantástico é possível, ele percebe os propósitos inimagináveis por trás das práticas nazistas. A fixação de Hitler pelo ocultismo na vida real é bem utilizada por David Brin, trazendo uma explicação criativa para o Holocausto. No entanto, é a partir daí que o roteiro perde força.
Ecos de uma obra específica de Neil Gaiman
Quando precisa fundamentar a lógica interna do roteiro, David Brin traz um conceito que se parece demais com o que Neil Gaiman escreveu em Deuses Americanos. A semelhança/similaridade é relativamente compreensível, mas suas intenções são confusas. O segundo e terceiro segmentos de Os Devoradores de Vidas se alicerçam a partir das revelações no final do primeiro, quando a ideia de alguém que inspira os outros pela resistência e bravura toma forma.
Ao tomar esse caminho, o roteirista parece não apenas criticar a adoração de divindades. O conceito de super-heróis, que chegam a ser citados por personagens como arquétipos divinos ficcionais, também parece implicitamente criticado nesta elevação do homem comum. O problema é a história justamente descambar para algo que ela mesmo questiona.
Armaduras de combate e pirotecnias típicas de Marvel e DC entram em cena no momento em que panteões diferentes aparecem em outras partes do mundo. Soluções simplórias para uma premissa que merecia uma ousadia maior. Neste ponto, também não parece ter havido muito esforço na representação dos deuses xintoístas ou egípcios. Pelo caráter destas aparições na história, não parece ser algo a responsabilizar o ilustrador, o que nos dá a deixa para comentar os méritos visuais.
Scott Hampton valoriza bastante Os Devoradores de Vidas
A arte pintada de Scott Hampton é o que vende a HQ. Desde a capa. Conferindo um bem vindo ar de verossimilhança, o estilo característico do artista evita que as apelações do roteiro se convertam em cenas super-heroicas genéricas. David Brin deve muitos agradecimentos a ele por isso, mas também pela clareza na construção da narrativa visual.
Com um roteiro que depende de uma carga relativamente grande de informação textual, a narrativa de Hampton consegue manter-se clara. Não existe nenhum arroubo de ousadia gráfica, o que até casa bem com a ambientação de época do álbum. Sem tentar reinventar a roda, o ilustrador entrega um trabalho bonito e eficiente. Aliás, algo beneficiado pelo bom acabamento da edição da Mythos.
Normalmente, edições brasileiras em formato TP não recebem um tratamento tão bom. Os Devoradores de Vidas não é muito mais caro do que encontramos hoje no mercado, mas sua capa cartonada plastificada é mais grossa e seu miolo – bem impresso, por sinal – também tem uma boa gramatura. Basta uma folheada para perceber que é uma edição robusta.
Por conta dos méritos artísticos e gráficos, mais uma premissa que é realmente interessante e começa bem, o saldo final é positivo. O final tem implícita a ideia de continuação, embora funcione como arco fechado. Depois de tanto tempo, é improvável que David Brin retome a história. Porém, se o fizer, seria bom que contasse novamente com Scott Hampton.