Não há dúvidas que um título como O Parricídio já chama atenção por si mesmo. Não importando se o receptor se sentiu incomodado, ou se foi atraído por sentir no ar a promessa de algum tipo de catarse freudiana, é uma palavra poderosa. Já é um acerto, mas também um processo que gera um tipo de expectativa que, muitas vezes, não se concretiza. Evidente, até pela nota atribuída que você já viu ali em cima, que não é o caso, mas isso também é relativo, dependendo de qual foi sua projeção em relação ao nome e à capa do trabalho de Beeau Goméz e Rodrigo Qohen. Se for possível ser direto sobre algo tão conceitual, lá vai minha tentativa em apenas uma palavra: funciona.
Definir a impressão desta maneira é um exercício interessante, já que falamos aqui de uma obra que pode provocar as mais variadas reações, buscando atingir o psicológico do seu leitor. Aliás, é interessante avançar as primeiras páginas e encontrar a ilustração de uma lagosta, que até lembra um teste de Rorschach. Seria essa uma opção consciente dos autores? Não importa, já que uma vez que entramos em contato com algo assim, estamos livres para assimilar de acordo com as nossas particularidades, dentro da maleabilidade interpretativa proposta. É um caso de tirar o leitor da passividade.
No início, somos apresentados a Remi, personagem com alguns problemas de relacionamento evidentes. Essa condição nos é apresentada através de um diálogo muito peculiar, entre ele e um certo crustáceo em sua cozinha, que se torna um tipo de auto análise. Interpretações à parte sobre a opção pela figura de uma lagosta, por conta desta conversa é que entendemos, ou começamos a entender, porque o álbum se chama O Parricídio. Até fácil de se identificar, mas não existe aquela catarse tão óbvia que alguém pode ter procurado, porém, essa viagem rende outras sensações ao leitor aberto à experiência.
O prefácio de Laerte Coutinho nos informa que ele conheceu o artista Beeau Goméz em um curso que ministrou, envolvendo desenho de modelo vivo. A história de Remi dá lugar, de forma mais ou menos fluida, ao experimentalismo com a figura humana, chegando ao último segmento. Neste ponto, figuras incômodas, em maior ou menor grau, ilustram poesias que trazem algo de Augusto dos Anjos em seu DNA. Existe uma bela intimidade entre a arte, que assume suas intenções sem medo e até cita Pollock, e o texto multifacetado de Rodrigo Qohen.
No redemoinho referencial e psicológico, a ressalva encontrada diz respeito, justamente, ao pobre Remi. Não pelo que vimos dele, mas por se mostrar tão interessante e com tanto potencial, o que talvez pudesse ocupar mais espaço e desenvolver-se em trechos com uma narrativa mais convencional. Acabamos nos despedindo e pensando no que poderia acontecer a seguir, o que é até bom, mas é no momento em que se começa a “comprar” o personagem que ele sai de cena.
O Parricídio carrega a ambiguidade de ser uma leitura rápida, contrastando com o peso de seu texto e de sua arte, no bom sentido. Iniciativa do coletivo Baboon Comix, merece ser lido e relido, mais de uma vez. Até para que o leitor, em algum momento, pare e pense sobre o efeito que o título tem em si mesmo.