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O Maestro, o Cuco e a Lenda – O tempo e a memória…

A premissa visceral de O Maestro, o Cuco e a Lenda

Elaborar uma narrativa ficcional, sem que haja uma encomenda por trás, é um privilégio para a maioria dos escritores/desenhistas. É nesta condição que o público pode entrar em contato direto com o criador através da obra, mesmo que este escolha cuidadosamente o que vai expor ali. Seja o que for, a percepção da entrega do artista já é um fator atrativo. Além disso, se a trama em si fugir do óbvio, temos algo que deve ser conferido. O Maestro, o Cuco e a Lenda se encaixa nas duas categorias.

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O Maestro o Cuco e a Lenda

O Maestro o Cuco e a Lenda

Wagner Willian, de Bulldogma, teve seu projeto contemplado no Proac e lançou sua segunda HQ no final de 2017, pela Texugo Editora, da qual é proprietário. A quem ainda não conhece o trabalho deste artista plástico que se aventura na arte sequencial, uma dica. Apenas a leitura deste presente texto e da resenha de seu álbum anterior já evidencia uma qualidade do autor: versatilidade.

Voltando-se aqui para uma história muito mais intimista, mas não menos fantástica, Wagner nos apresenta um protagonista que, após muitos anos, volta à fazenda de seu falecido avô. Sua presença é necessária para viabilizar a venda da propriedade, que data dos tempos escravocratas da expansão cafeeira. As lembranças da infância passada no local, com a presença marcante do avô maestro, são fortes.

Sem muitas explicações, a mágica acontece e nosso protagonista volta a ser criança, obrigado a encarar vários fantasmas deste passado. A jornada por esse mundo surreal, povoado por seres folclóricos, tem como figura principal o cuco, o pássaro que faz outras espécies chocarem seus ovos. Tão malvado que sua pena é a prisão nos famosos relógios.

Arte, referências e citações

É preciso insistir mais um pouco na comparação com Bulldogma para dar o devido valor a O Maestro, o Cuco e a Lenda. O estilo da arte já os diferencia bastante, mas existe bem mais do que isso. A enxurrada referencial que o autor nos propõe aqui é completamente diversa, já que estamos em outro ambiente.  Se no primeiro caso, o centro de São Paulo se servia das referências convenientes de Cassavetes, Sci-fi B e Sganzerla, o interior do Estado pede algo mais mágico, usando um termo aproximado.

O Maestro o Cuco e a Lenda

Lewis Carrol, Hayao Miyazaki (os mais atentos o encontrarão fazendo uma figuração) e Jorge Luiz Borges, entre várias outras personalidades, se encontram aqui. Isso mostra outra característica marcante de Wagner Willian, que falta em vários outros criadores. O vasto repertório cultural não se apresenta como egotrip, mas como um bem vindo suporte que percebemos de maneira completamente orgânica no conjunto.

Com todo o contexto de lembranças de infância, o preto e branco com tons de cinza reforça o tom nostálgico. A leveza do traço também acompanha essa ideia, acompanhado por uma diagramação clara e sóbria. Uma leitura tão fluida que passa a sensação de estarmos assistindo a uma animação.

Apelo irresistível

A variedade de metáforas é um convite sedutor. Os leitores que o aceitam percebem que O Maestro, o Cuco e a Lenda é aquele tipo de obra que não sai da cabeça tão fácil. São inúmeros símbolos para assimilarmos e atribuirmos um sentido mais profundo, sem que isso torne a leitura truncada demais. Mesmo com significados mais profundos a descobrir, ainda existem tesouros mais acessíveis.

O valor do tempo é um deles, cuja consciência causa ansiedade a tantas pessoas. Também é difícil não se identificar com alguém como nosso protagonista. Afinal, o desconforto ou dúvida, de qualquer tipo, sobre algum detalhe do passado mais ou menos distante é um sentimento comum e compreensível. Para o qual, em muitos casos, o único remédio é aprender a conviver com ele.

Essa questão é tratada com uma sutileza rara. Quando o personagem volta à infância, tem que se virar usando suas roupas folgadas de adulto, um simbolismo poderoso em sua simplicidade. Quantos já não se sentiram vestindo uma roupa, ou uniforme, que não servia? Quantos não se sentem assim exatamente agora?

O Maestro o Cuco e a Lenda

Reafirmando um talento criador

Wagner Willian acertou de novo. Particularmente, a única pequena ressalva que se poderia fazer sobre a HQ é sobre a costura final do roteiro, quando temos mais detalhes sobre o avô do protagonista. Talvez a trama pudesse resolver-se um pouco mais na insinuação do que na afirmação, mas é um pecado minúsculo e relativo dentro da realização.

No fim das contas, não é nenhum exagero dizer O Maestro, o Cuco e a Lenda é um trabalho de envergadura dentro de um cenário nacional muito produtivo, onde o nível só tem crescido. Tão à altura de outras obras premiadas, como Daytripper e Hinário Nacional, que teve seus direitos de publicação comprados pela editora francesa Casterman.

Manda o próximo, Wagner!

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