Minha trajetória, como leitor de quadrinhos, é igual a milhares. Começa com Mauricio de Souza e Disney na infância, passa por super-heróis na adolescência, e, mais tarde, chega ao ponto de maturidade para apreciação de um material mais autoral. no qual não importa mais sobre o que é a história, mas sua qualidade como um todo. Ainda me igualando a muitos leitores, continuo lendo super-heróis, mas há tempos eles dividem meu interesse com muitas outras coisas bem diversas. Lembro-me de algumas histórias que me mostraram o leque ilimitado de temas que as Hq’s poderiam abordar, fora do universo colorido dos mascarados, e como subitamente aquele mundo pareceu maior e mais interessante por isso.
Corri o risco de tornar o texto entediante já no primeiro parágrafo, mas foi por um bom motivo. Existem histórias que chegam a nós do nada, que, mesmo depois de anos como leitor, descobrindo e redescobrindo grandes gibis, não deixam de surpreender – no bom sentido – em algum detalhe específico. Mesmo que seja no minimalismo visual e conceitual de alguma situação prosaica. Algo muito distante de salvar o mundo, mas nem por isso menos interessante. A Hq francesa O Gosto do Cloro é uma dessas histórias.
A premissa do adolescente tratando um problema nas costas, que pratica natação por ordem de seu fisioterapeuta, não é nem um pouco atraente quando você recomenda o álbum para qualquer pessoa. Mesmo assim, longe de apenas tentar glamourizar um caso tão corriqueiro, o autor Bastien Vivès, com um desenho tão simples quanto a história que ilustra, criou uma metáfora para um tipo de solidão e sensação de inadequação próprios da adolescência. A melancolia do isolamento, mesmo que às vezes cercado de outras pessoas, e do tédio é reforçada pela paleta de cores frias, próprias do ambiente do roteiro.
Enquanto visto como alegoria de um período tão emblemático da vida, é muito interessante tentar imaginar o motivo por trás de tais opções do autor. Como as boas obras convidam o público a participar, em O Gosto do Cloro se torna inevitável pensar sobre o que existe por trás dessas escolhas. Que alusões estariam sendo feitas ali? Como isso reverbera emocionalmente na percepção de cada pessoa? Ao terminar de ler, algumas dúvidas ficarão – dependendo do seu tipo de olhar – mas uma das medidas da força de um texto é justamente conseguir permanecer na memória de quem o lê. No terreno das interpretações, não teria sentido que eu colocasse as minhas aqui, pois o que vale é exatamente a experiência pessoal de cada um.
Mostrando grande habilidade como contador de histórias, Vivès conseguiu um feito raro com a cadência narrativa da sua Hq. A fluidez do seu texto e desenhos faz com que o leitor deslize pelas páginas, como alguém nadando de uma ponta a outra em uma piscina. Basicamente, a possível impressão errada de que não está acontecendo nada na trama, acaba diluída no virar de páginas que comunicam muito com pouco ou nenhum texto. Essas características garantiram um prêmio de artista revelação no festival D’Angoulême, em 2009, ano de lançamento do álbum.
Com suas 144 páginas e um belo acabamento gráfico, O Gosto do Cloro é, felizmente, um tipo de história em quadrinhos que encontrou seu espaço no complicado mercado brasileiro, algo que parecia impossível até poucos anos atrás. Ponto para a Leya / Barba Negra por essa publicação e que o leitor daqui possa continuar descobrindo essas obras sem precisar recorrer aos importados.