Uma baixinha, gorducha e dentuça cheia de coragem é revelada em Mônica: Força
O prezado leitor já começou a folhear um livro ou uma HQ de trás para frente? Pois é… Esta que vos escreve quase sempre segue a ordem (dita) certa das coisas, mas resolveu mudar de ideia diante de Mônica: Força, de Bianca Pinheiro, mais um exemplar do selo Graphic MSP*. Eis que me deparo com uma foto da autora quando criança, pernas grossas e franjinha, segurando com toda a força que a infância permitia um boneco do Fofão em um braço e uma boneca da Mônica no outro. Não deu outra: me enxerguei naquela foto.
(*Confira o Formiga Na Tela sobre Chico Bento: Arvorada e a resenha de Cebolinha:Recuperação)
Já não bastasse termos o mesmo nome, a menina também passou a infância brincando com um modelo da baixinha, gorducha e dentuça mais amada dos quadrinhos. O passo seguinte foi respirar fundo e devorar as páginas da HQ. O mundo continua girando: me encontrei novamente nas páginas criativamente diagramadas pelo talento da minha xará. Mônica: Força tem um público alvo bem específico, que são os adultos que cresceram e deram os primeiros passos nas leituras com as criações de Mauricio de Sousa. Não que uma nova geração não possa se encantar por quadrinhos com os lançamentos do selo, mas a questão afetiva pesa bastante na hora de levar para casa uma nova aventura da Mônica quando você não tem mais sete anos de idade.
O roteiro da HQ é de uma simplicidade tocante. Acompanhamos alguns dias do cotidiano da dona da rua do Limoeiro. Nada de novo no front para quem não saía de mãos abanando das bancas nas décadas de 80 e 90. O detalhe é que o pai e a mãe da Mônica estão em pé de guerra. A escolha de Bianca Pinheiro para retratar a troca de farpas entre os adultos da história é tão inteligente que nos faz sonhar que algo semelhante seria bem-vindo na vida real. Talvez teríamos menos corações magoados. Mas a questão central é que a garotinha que resolvia tudo com uma coelhada certeira nas fuças do Cebolinha e do Cascão perde todas as suas forças diante da possibilidade da separação dos pais. E é aí que a torneira começa a pingar.
Ping, ping, ping, ping…
O silêncio na hora das refeições na casa da dentucinha só são rompidos pelo incessante barulho da torneira pingando. Se é por conta de um vazamento ou simples descuido, pouco importa. Cada pingo soa como uma eternidade e os nervos já aflorados dos pais encontram uma válvula de escape na reclamação do problema na cozinha. Mônica também se irrita com o insistente “ping, ping”, ainda mais que ele faz lembrar as brigas barulhentas e já não tão disfarçadas que ela assiste cada vez que vê pai e mãe frente a frente.
O traço de Bianca é simples, mas os inconfundíveis dentinhos protuberantes estão lá, deixando claro que a alma da menina briguenta foi mantida. Mônica era e sempre foi forte. Porém, o que nos nossos tempos de criança era representado por uma capacidade de encarar os garotos sem medo, em Mônica: Força é transformado na luta silenciosa para lidar com as agruras típicas de gente grande. Pais costumam insistir em técnicas para amenizar situações que julgam complicadas para seus pequenos. Mal sabem que mesmo com pouca altura eles já sabem ser grandes e entendem tudo. Talvez até como mais clareza que os adultos.
É impossível não sentir um aperto no peito ao acompanharmos Mônica tentando dormir enquanto seus monstros são despertados pelos pingos barulhentos vindos do andar de baixo. Sansão, que era a solução para quase tudo, agora só pode servir de companheiro, aquele brinquedo preferido que a gente segura quando sente medo. Mas se força sempre foi uma qualidade das nossa protagonista, ela pode ir além dos braços. Em pouco mais de 70 páginas, descobrimos que uma garota obstinada e uma caixa de ferramentas são capazes de tudo. Até fazer parar a agonia que pinga sem parar no peito da gente.