Com cara de roteiro para Cinema, Exorcismo: O Ritual Romano exagera nos clichês
O catolicismo é um traço forte da nossa cultura, ainda que a instituição tenha perdido muito de sua popularidade com o passar dos anos. Por isso, a HQ espanhola Exorcismo: O Ritual Romano (Roman Ritual) já se mostra potencialmente interessante para o público brasileiro. Além da ambientação nos bastidores do poder da Santa Sé, o tema da possessão também carrega seu apelo intrínseco entre os fãs do Terror e demais consumidores do Fantástico.
Lançado por aqui pela DarkSide, o álbum de capa dura compila uma minissérie em quatro partes, publicada em 2015 na Espanha, escrita por El Torres e ilustrada por Jaime Martínez. O prefácio, assinado por Paco Plaza, diretor e roteirista da série cinematográfica [REC], cria uma ótima expectativa nos leitores, que acaba frustrada depois, quando testemunhamos uma coleção incômoda de clichês do início ao fim. O roteiro de Torres parece realmente com qualquer filme de Terror mais genérico, mal apoiando-se na força inerente ao tema.
Claro que a associação ao clássico O Exorcista é imediata, algo que o roteirista já tinha em mente e fez questão de incluir menções ao filme nos diálogos de seus personagens. Nada sutil mesmo, indicando que o longa de William Friedkin existe no universo desta história. A trama acompanha uma ameaça sobrenatural sem precedentes na cúpula da Igreja, envolvendo o próprio Papa. O problema precisa ser tratado com o máximo de urgência, pois sua descoberta pelo público em geral destruiria de uma vez a credibilidade da instituição.
Aproveitando outro clichê, este dos filmes de ação/aventura, temos o padre John Brennan. Auto-exilado na Amazônia, o sacerdote foi afastado por conta de um erro de julgamento no passado e por seu comportamento rebelde. Além de tudo, é um exorcista cascudo, que usa métodos pouco ortodoxos para expulsar demônios. Ele é o último recurso, recrutado às pressas para Roma e a contragosto dos cardeais mais conservadores. Brennan enfrentará entidades malignas, enquanto desvenda uma trama que coloca em xeque a honestidade de algumas figuras poderosas.
Com essa sinopse, a história desenvolve seu clima de terror sem muita originalidade narrativa. Não faltam corpos retorcidos, blasfêmias, gore explícito e tudo mais que consta nesta cartilha. Complicando mais sua tarefa, o padre durão também se depara com uma aparição que lembra muito a freira da franquia Invocação do Mal. De fato, nada memorável em termos textuais, mas e os méritos visuais?
Arte competente auxiliada por uma ótima colorização
Os desenhos de Jaime Martínez não decepcionam. Ainda que o jogo pesado e marcado de luz e sombra também seja um recurso batido para essa temática, o artista consegue nos convencer nas expressões faciais e corporais dos personagens. Existe um ou outro deslize, como pessoas que parecem muito mais jovens do que a idade passada no diálogo, mas isso não desabona tanto o conjunto da arte.
Um problema maior é a estruturação desta narrativa visual, mal elaborada em algumas páginas. Em alguns trechos, a repetição de composições incomoda, já que não há função narrativa nesta construção. Mesmo assim, Martínez fez a história fluir, apesar da previsibilidade gritante do texto, que – vejam só – tem até caso de pedofilia no meio.
Ainda no campo visual, foi uma benção contar com as cores de Sandra Molina. Potencializando absurdamente a iluminação pensada pelo desenhista, essa colorização confere um ar muito peculiar a essa história. Seja destacando monstruosidades ou apenas indicando fachos de luz de maior ou menor intensidade, são esses os detalhes que guardamos ao final da leitura.
A excelência editorial de sempre da DarkSide, com um projeto gráfico exuberante e extras, é sempre um colírio. Infelizmente, Exorcismo: O Ritual Romano parece até indigno de um tratamento como esse.