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A Arte de Osamu Tezuka – Jus ao Deus do Mangá!

A Arte de Osamu Tezuka é um testemunho fiel das qualidades do autor

A comparação é conhecida: o “Walt Disney japonês”. Hoje, felizmente, com um maior acessos às biografias de inúmeros artistas, podemos deixar esse velho e injusto anacronismo para trás. Não é que Tezuka não pudesse ser comparado ao animador americano, dado o sucesso dos personagens do japonês em sua terra natal e ao redor do mundo.É só porque, dado seu pioneirismo, ambição e envergadura não apenas como animador, mas também quadrinista, produtor, editor, escritor e pesquisador das artes, Tezuka seria melhor comparado como uma mistura dos melhores talentos de Disney, Stan Lee, Winsor McCay e Will Eisner. Tudo num sujeito só. E se restam dúvidas ao amigo leitor sobre isso, A Arte de Osamu Tezuka – Deus do Mangá, de Helen McCarthy, publicado aqui pela Editora Mythos, as esclarece.

(Clique na imagem para comprar!)A Arte de Osamu Tezuka

Em 272 páginas de altíssimo padrão e belíssima diagramação, a biografa expõe o que precisamos saber de essencial da vida e da obra de Tezuka. O que é realmente impressionante pois, apesar de uma vida relativamente breve – o autor faleceu com apenas 60 anos, acometido por um câncer no estômago – ele deixou um legado indelével e monumental. E ambos os adjetivos, aqui, podem ser entendidos de forma literal.

Tezuka, conforme aponta McCarthy, nasceu em uma família privilegiada em muitos sentidos: não apenas eram abastados o suficiente para terem uma vida confortável, como bastante progressistas, a ponto de incentivar o filho no caminho das artes e do pensamento à frente de seu tempo. Tudo isso em um período em que o Japão já experimentava um retrocesso político e social, com a proximidade da Segunda Guerra e do extremismo nacionalista que tomava o país.

De fato, essa vivência influenciou bastante Tezuka. Embora suas primeiras referências viessem justamente das animações Disney, as quais teve acesso justamente graças a riqueza e interesse da família por materiais e tecnologias estrangeiras, o trauma provocado pela derrota japonesa na guerra, pela maneira como aconteceu, nunca deixou Tezuka completamente. O volume divide apropriadamente essas questões. O autor, apesar da genialidade inata, sempre foi um criador referencial. Apanhando ideias de inúmeros lugares, ele construiu uma mitologia artística e particular de forma multidisciplinar.

Por isso havia tanto interesse de sua parte em aplicar técnicas cinematográficas à sua obra, tanto na narrativa visual arrojada quanto no divertido e inédito “sistema de atores”, quanto em efetivamente desenvolver e investir em tecnologias e modelos japoneses de animação. Tezuka foi criado para ser um homem e artista a frente de seu tempo, e fez jus a essa criação.

Isso se refletiu, posteriormente, em algumas das múltiplas faces desse autor, que sempre primou pela polivalência e pelo pensamento inovador. Tezuka começou definindo seu estilo através de um traço caricato, que incutia em seus desenhos um envolvimento e empatia imediatos dos personagens. Muitas de suas histórias, apesar de infantilizadas, escondiam pequenas pérolas, como a questão de gênero em A Princesa e o Cavaleiro ou a influência de um shakespearianismo latente em Kimba. Mesmo em Astro Boy, sua criação mais popular, assim como a mais próxima do padrão shonen que dominaria o mercado de mangás, o autor brincava com seus leitores ao subverter tropos do gênero, tornando o seu pequeno e inocente herói, em muitas situações, não tão inocente assim.

A Arte de Osamu Tezuka

Osamu Tezuka criando um de seus muitos personagens

Jus ao título

Pontuamos isso porque habituou-se chamá-lo de Deus do Mangá associando seu volume de produção à qualidade. De fato, Tezuka deixou mais de 700 mangás escritos, o que beira o inacreditável. Mas, como não pode deixar de ser, uma quantidade tão grande implica numa instabilidade de qualidade, e por isso muitos questionam se a tal alcunha não é um exagero, que mistura o carinho pelas suas principais obras com sua qualidade geral.

Mas, como autor de títulos como Ayako e editor da revista COM, Tezuka também se posicionou politicamente apontando não apenas para os conflitos geracionais e cismas provocados pela guerra, como também o conservadorismo que tomava sua arte e tentava torná-la um nicho alienado infanto-juvenil. Sua influência não foi apenas sobre a arte em si, mas também sobre os horizontes que ele via antes de todos, e para onde apontou inspirando quadrinistas ao redor do mundo. Ou seja, não apenas pela sua versatilidade e talento, mas pela sua luta, posicionamento e influência, Tezuka recebeu a alcunha de Deus do Mangá.

O volume em si é primoroso. A Mythos não poupou esforços para fazer valer a pesquisa e visão de McCarthy – o que é no mínimo justo, já que a biografa é possivelmente uma das maiores pesquisadoras da cultura oriental no Ocidente, e faz questão de fazer sua pesquisa sobre Tezuka ser apresentada de uma forma palatável, atraente e até mesmo divertida em certos momentos.

Portanto, se você tem qualquer interesse na vida e na obra de um dos maiores quadrinistas de todos os tempos em qualquer lugar e época, A Arte de Osamu Tezuka é uma adição absolutamente magistral para sua coleção.

Fiquem com Deus – do Mangá!

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