A quadrinização do Drácula de Coppola e seu belo tratamento gráfico
No meio de inúmeras adaptações de Drácula, o polêmico filme de 1992, comandado por Francis Ford Coppola, permanece entre as mais lembradas. Com o enfoque exclusivo em méritos técnicos, a produção realmente tem valor indiscutível. Como se trata de uma obra que depende muito do apelo visual, a Topps Comics resolveu transformá-la em HQ com lançamento simultâneo, trazendo o lendário Roy Thomas para adaptar o roteiro e Mike Mignola nos desenhos. O artista, em plena ascensão na indústria naquele momento, estouraria pouco tempo depois com Hellboy, mas tinha neste trabalho algo sob medida para seu estilo.
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O tempo passou e a edição ficou um bom tempo fora de catálogo, graças à extinção da editora. A IDW, em 2018, a relançou nos EUA, com uma particularidade importante. A colorização original foi descartada, o que valorizava muito mais a arte em alto contraste e, consequentemente, a atmosfera gótica. Essa reedição foi base para o robusto volume nacional lançado pela Mino, cujas dimensões de 20,8 X 32,2 permitem ao leitor apreciar da melhor forma o grande atrativo do álbum.
A sinopse, para alguém que não tenha visto o filme, mostra o príncipe romeno Vlad Dracul no século XV, guerreando contra os turcos para defender a cristandade. Quando sua esposa se suicida, acreditando que ele morreu no campo de batalha, os sacerdotes recusam-se a sepultá-la em solo consagrado, por conta do pecado imperdoável de tirar a própria vida. A revolta do príncipe contra os símbolos cristãos o amaldiçoa pela eternidade, transformando-o em vampiro.
Já no século XIX, Drácula busca adquirir propriedades em Londres, o que leva o corretor Jonathan Harker à Transilvânia, revelando que Mina, noiva de Harker, tem uma ligação secular com o vampiro. A partir daí, como no filme, seguem-se subtramas que apresentam o Dr. Van Helsing, o único já consciente da verdadeiro perigo, e culminam na busca pela destruição desta ameaça.
Simples assim, o roteiro de Roy Thomas segue bem de perto o roteiro do filme. É exatamente isso que acaba travando o andamento da história. O filme trazia inúmeros detalhes que acrescentavam pouco ao núcleo principal da trama, e Thomas parece excessivamente fiel a eles. É evidente que existem pontos dos quais ele não poderia fugir, mas a fidelidade aqui é uma faca de dois gumes, já que várias transições de ambientes soam muito mais orgânicas no filme do que no folhear das páginas do álbum.
Não haveria sentido comentar aquilo que já aparecia como ponta solta no roteiro cinematográfico de James V. Hart. É o velho problema de quadrinizações e novelizações de filmes de qualquer tipo, então faz mais sentido observar a relação entre desafio, esforço e resultado, sem cobrar demais do profissional escalado para a tarefa. Thomas era uma escolha natural pela sua bagagem literária, característica responsável, em grande parte, pelas suas realizações nos Quadrinhos nas décadas anteriores (confira o artigo sobre as HQ’s de Conan).
Avaliando as complicações envolvidas, a adaptação da HQ cumpre seu papel. Para o bem e para o mal, dependendo do quanto o leitor gosta ou não do filme. Feitas essas considerações mais do que pertinentes e necessárias, chegou a hora de falar daquilo que realmente faz essa aquisição valer a pena.
Uma embalagem fulgurante para um texto de pouco brilho
Quem ainda procura um motivo para adquirir o Drácula lançado pela Mino, deve ter apenas o nome Mike Mignola em mente. Pronto. Isso dá e sobra. Simplesmente, podemos afirmar sem sombra de dúvida que sua arte, naqueles tempos, já estava muito além do que se via em adaptações de filmes, que também faziam parte de uma prática mais comum. Mais do que buscar um retrato reconhecível do elenco, o artista entrega uma concepção visual com personalidade própria, sem abrir mão de seu estilo em momento algum.
Mesmo limitado pela obrigação de reproduzir trechos do filmes, o que, é óbvio, prejudica a fluidez narrativa, as imagens tem uma força intrínseca individual que nos faz demorar um pouco mais em cada painel. Admirar cada figura, detalhe e textura destas páginas compensa várias falhas do conjunto. A escolha de Mignola foi um acerto gigante, criando uma atmosfera bastante verossímil em seus elementos assustadores e belos dentro de uma ambiguidade sutil.
Também faz diferença a arte-final de John Nyberg. Delimitando precisamente o preto e o branco nas cenas, o jogo de luz e sombra funciona muito bem a serviço da profundidade das cenas. Também existe esmero no trabalho com as texturas, tudo isso respeitando o estilo do desenhista, cujos traços característicos permanecem reconhecíveis. Aliás, um grande acerto da edição nacional é trazer extras que mostram algumas páginas ainda a lápis, proporcionando a oportunidade de avaliar melhor a performance de Nyberg.
O melhor é que os extras não param por aí. Galeria de capas fotocopiadas direto dos originais completam o conjunto, o que torna esse volume atrativo também para mais uma fatia do público. Se você gosta muito do personagem e/ou do filme, é claro que vai comprar ou já comprou. Se você é fã de Mike Mignola e/ou Hellboy, também vai querer, mas esse Drácula vai um pouco além.
Se você é artista e se deleita com criações visuais de peso, de onde pode até aprender mais, não deixe de ter essa verdadeira aula de composição/luz e sombra em casa. A nota atribuída nesta resenha vai toda para a realização gráfica, que é o que realmente conta neste caso.