Sci-fi e conspiração na HQ nacional da Jupati Books
Com um pano de fundo que mistura Segunda Guerra e alienígenas, Desastres Ambulantes, do selo Jupati Books da Marsupial Editora, traz vários elementos que qualquer fã de Cultura Pop geral vai achar familiares. O clima de mistério que nos faz esperar pela revelação com uma conspiração para manter os fatos longe do público, mais a ficção científica, evoca Arquivo X. Essa relação, inclusive, já é comentada na capa, onde há o tradicional comentário elogioso.
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Também existe algo de Além da Imaginação nesta mistura. Com essas referências, os autores Guilherme Smee e Romi Carlos tinham um bom ponto de partida. Contemplados em 2016 pelo ProacSP, programa do Governo do Estado de São Paulo para incentivo à produção de Histórias em Quadrinhos, o álbum saiu no ano seguinte. Com 48 páginas e capa cartonada, trata-se da primeira parte de uma trama bem maior.
(Confira nossas últimas resenhas de HQ nacional, como Angola Janga e Open Bar)
Você pode ter pensado agora “A história não acaba?”, e é exatamente isso. Neste caso, vale a pena investir em algo que sabe-se lá quando vai continuar? Primeiro, depende do quanto você curte essa pegada sci-fi conspiratória do roteiro. Isso é importante, já que o texto de Guilherme Smee, neste primeiro capítulo, tem uma premissa interessante, porém, não chega a convencer na costura dos eventos.
Argumento X Roteiro
Lucio Diaz é um homem que vive preso à memória de seu pai, Miguel, piloto que combateu na Segunda Guerra. A história já o apresenta contando as histórias do conflito para seus próprios netos, mas esse prólogo também nos deixa claro que o filho idealizou uma imagem do pai ausente que não tem nada a ver com os fatos. O incidente que dá início à trama é o telegrama recebido por Lucio, convocando-o a uma instalação militar onde seu pai, dado como morto, é secretamente mantido em uma condição extraordinária.
Ao protagonista, é revelado um caso que o Exército tenta solucionar, envolvendo Miguel e as aparições conhecidas como Foo Fighters. Se a banda de Dave Grohl única coisa que você associa ao termo, lá vai uma pequena contextualização. Fenômenos aéreos avistados por aviadores durante a Segunda Guerra – OVNIS, se preferir – eram designados assim. A ligação entre o pai de Lucio e um Foo Fighter é o enigma a ser decifrado.
Dentro desta estrutura, diálogos pouco inspirados acabam comprometendo a imersão do leitor na trama. A composição do protagonista também é um tanto vaga, no sentido de que só sabemos que Lucio constituiu família e viveu fantasiando sobre um pai que não conheceu. No entanto, é de se refletir por qual motivo ele mesmo não tornou-se militar, já que cultua essa imagem. Existe algo a ser revelado em uma edição futura? Mesmo assim, até aqui não há lógica que sentinelas prestem continência a ele.
A impressão é que Desastres Ambulantes poderia comunicar mais sobre Lucio Diaz, mesmo com o pouco espaço que dispunha. Ainda que eventuais lacunas sejam preenchidas depois, é uma pena que os elementos visuais aqui sirvam mais para inserção de referências do que como recursos narrativos a favor da história. Como atenuante, precisamos admitir que um fan service específico, envolvendo uma certa lenda dos quadrinhos, foi bem sacado.
O visual
Os desenhos de Romi Carlos são eficientes. A estilização do traço não atrapalha a história e seu trabalho é competente. As cenas que envolvem a ambientação da Segunda Guerra seguem uma orientação diferente, mais realista. Se narrativamente essa diferenciação não diz muito, no mínimo, consegue deixar o conjunto agradável.
Impressa em tons de verde, é uma escolha que confere mais personalidade ao trabalho e reforça o caráter militar da história. Seguindo uma narrativa visual mais sóbria, algumas abstrações mais gritantes acabam destoando, totalmente fora de compasso com o que a HQ já havia estabelecido até ali. Uma falha comum de planejamento, mas é uma quebra de clima difícil de ignorar.
Dá vontade de continuar?
Não há como negar que o argumento tem força e o gancho funciona, apesar de já bastante conhecido. Por isso, apesar de suas falhas, é bem provável que, se você já tivesse a continuação em mãos, continuaria lendo, nem que fosse pela mera curiosidade. Cada pessoa que julgue por si se isso é o bastante para considerar uma HQ bem sucedida.
Desastres Ambulantes não começa muito bem, sequer justificando esse título. O que vier depois pode até consertar algumas coisas, mas, até aqui, só podemos torcer para que os autores se saiam melhor na próxima empreitada.