HQ de Liv Strömquist aborda tabus femininos de forma direta
Peço licença aos leitores do sexo masculino deste querido site para direcionar meu texto com mais atenção para as mulheres. Não é nada contra vocês, garotos. Aliás, fiquem à vontade para ir até as últimas linhas desta resenha da HQ A Origem do Mundo – Uma História Cultural da Vagina ou A Vulva vs. O Patriarcado. Ufa! Título gigante, né? Mas a escolha da autora, a sueca Liv Strömquist, não pretende apenas tirar o fôlego de quem lê sua obra. Ela quer nos fazer pensar sobre um assunto que devia ser tão banal e discutido quanto o preço da gasolina ou as mudanças climáticas: as nossas vulvas.
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(Também do selo Quadrinhos na Cia., confira as resenhas de Três Sombras e O Chinês Americano)
Sim, gurias! Eu, você, nossas mães, avós e amigas temos vulvas e, por mais que a palavra não seja das mais belas e poéticas, devíamos dizê-la sem medo ou vergonha. PORÉM…que atire a primeira calcinha a garota que nunca ouviu conselhos sobre ser discreta ao comprar absorventes ou dicas de roupas escuras para disfarçar qualquer possível vazamento. E quando chega o verão e nosso desejo de ir à praia ou a piscina esbarra no nosso ciclo menstrual? A coisa só piora se a anatomia da nossa VULVA (coloquei em caixa alta sim, logo explicarei o porquê) não condiz com o que é considerado “normal”.
Strömquist dividiu A Origem do Mundo em três segmentos, todos narrados por uma garota, o que permite comentários que farão a identificação das leitoras ser imediata. A primeira parte , e a mais divertida, consiste em uma lista de sete homens que se interessaram um pouco demais por “aquilo que se costuma chamar de genitália feminina”. Eis a primeira piada pronta! Se em piadas engraçadas, e também nas de gosto duvidoso, nossas VULVAS ganham os mais diversos apelidos (que eu não vou listar aqui, pois você, leitor ou leitora, deve conhecer vários deles), quando o papo é sério, muitas são as bochechas que ficam coradas ao ter que proferir substantivos como VULVA, VAGINA ou CLITÓRIS.
Pois bem, enquanto as mulheres nutriam certa vergonha até do nome de uma parte do seu corpo, tinha uma penca de homens rasgando o verbo sobre ela. Infelizmente, mais da metade do discurso desses caras é uma coleção de bobagens. Tudo que envolvesse nossas partes íntimas (ou seja, a nossa VULVA e arredores) era associado a algum problema ou físico, ou mental. De Santo Agostinho, passando por Aristóteles, até o ginecologista Ellis Essen-Möller, que analisou a sanidade da Rainha Cristina que, segundo dizem, não conseguia ter orgasmos vaginais, A Origem do Mundo apresenta, sempre de forma bem-humorada, que muito se pensou sobre a nossa VULVA, mas perguntar para a gente como ela andava, ninguém foi capaz.
E isso é apenas o começo! O quadrinho ainda apresenta várias abordagens, de várias épocas, sobre machismo, caça às bruxas, rituais de fertilidade, prazer e menstruação, todos sob o viés da ciência e da religião orientadas pelos homens. A cada página, somos surpreendidas por uma gargalhada e um certo peso na consciência. Afinal, mulheres também colaboram para passar adiante algumas besteiras sobre o funcionamento do próprio corpo. Mas não vamos nos sentir culpadas. Ainda dá tempo de reverter isso e Strömquist vai explicar como.
Traço simples, formas complexas
A Origem do Mundo não é um deleite para os olhos. Quem gosta de desenhos elaborados, profundidade de campo e simetria, não vai encontrar nada de inovador nas páginas da HQ. Strömquist tem um traço simples, quase infantil, e isso não parece ser apenas um estilo. Para tratar do assunto ao qual ela se propõe, a VULVA e tudo que gira em torno dela, inclusive as lendas e enganos, a opção por utilizar um desenho que poderia ser feito por uma criança, além do uso de colagens, fotografias e ilustrações, dá um ar didático ao quadrinho. E é assim que deveria ser.
Se eu e – praticamente – todas as mulheres que eu conheço tivéssemos acesso às informações contidas no álbum desde a idade em que começamos a descobrir o mundo, talvez hoje não haveriam tantas matérias nos ensinando a ter orgasmos ou sobre os avanços das cirurgias estéticas íntimas. Nosso clitóris não seria um mistério e talvez muitas de nós não estariam sentindo-se incompletas sexualmente. Ao invés de invejarmos as conquistas dos homens, iríamos atrás das nossas sem nos preocupar com o fato de sangrarmos alguns dias por mês ou de termos filhos. Sim, isso nos preocupa.
Não venham dizer que basta batalhar, que todos têm oportunidades iguais. Não temos. Está escrito na cara dos nossos chefes quando somos demitidas que não cometemos nenhum erro. Ou melhor, nosso erro foi optar pela maternidade. Ou por não termos um relacionamento sério. Ou por nossa cólica adiar uma reunião. Se A Origem do Mundo guiasse a criação de nossas meninas, conversaríamos sobre nossas VULVAS sem medo, orgulhosas até.
Fica claro, ao terminarmos a leitura, que todo a atmosfera fantástica que criaram em torno de nosso corpo é, no fundo, uma forma de travar nossa liberdade e de evitar que vivamos nossa felicidade de forma plena. Afinal, que homem tem um órgão cuja única, eu disse ÚNICA, função é o prazer? Eles morrem de inveja da gente, gurias. Muitos não assumem, mas morrem de inveja. A Origem do Mundo transforma isso em imagens e palavras.
Sobre VULVAS em caixa alta ao longo deste texto, foi uma escolha para você que está aí, vermelha como um tomate, só de ler esta palavra pequena e poderosa. Garota, sua VULVA Só interessa à você mesma. Não sinta vergonha, nojo ou pena de si mesma. Absorvente não é arma química para ser escondido de olhos masculinos. Eles também foram na aula sobre reprodução humana e sabem o que é menstruação. Se acham nojento, que corram para as montanhas, porque nós lidamos muito bem com isso.
Odeio frases prontas, mas tenho que dizer: VULVA LA REVOLUCION!