A difícil jornada de Joe Shuster narrada em forma de HQ
Diversos livros já se ocuparam da história por trás da batalha empreendida por Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Superman, em busca de um retorno financeiro justo e o devido reconhecimento. Essa saga, aliás, é fundamental em Homens do Amanhã, de Gerard Jones. Julian Voloj (Ghetto Brother) achou que valia a pena revisitar esses fatos, mas em um formato que tem tudo a ver com o caso. A História De Joe Shuster: O Artista Por Trás Do Superman (The Joe Shuster Story) cobre quase toda a vida do desenhista responsável pelo visual original do primeiro super-herói.
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Lançado pela Aleph, a HQ de cerca de 200 páginas conta com a bela arte do italiano Thomas Campi. A história dos dois jovens que criaram um ícone e foram passados para trás por empresários inescrupulosos é razoavelmente conhecida, sobretudo por quem é fã de quadrinhos. Mesmo assim, existem diversos detalhes e desdobramentos que interessam desde o veterano leitor aos recém-iniciados no assunto, tudo incluído no roteiro graças a uma extensa pesquisa. Aliás, o final da edição traz notas explicativas que nos dão uma ideia deste processo, além de uma bibliografia mais que bem -vinda.
Evidente que, apesar de mapear uma trajetória verídica, A História De Joe Shuster é uma obra de ficção. É aí que entra o talento de Voloj para dar ritmo e substância dramatúrgica para esse relato, tomando como protagonista a metade da dupla responsável pela arte. Exatamente por isso que o álbum é narrado como flashback, com o já idoso Joe contando sua história para um policial compadecido com sua situação. Um valor incontestável do roteiro é o de enfatizar o drama humano, evitando inchar a trama com informações sobre o Superman e sua evolução*.
*(Sobre esse tópico, os leitores estarão bem servidos com Superman: Uma Biografia Não Autorizada)
Falando em drama humano, Voloj teve farto material para trabalhar. Embora Jerry Siegel tenha passado um período muito difícil, completamente descartado pela indústria que ajudou a criar, a vida de Shuster foi mais complicada e repleta de momentos desesperadores. A começar pela sua doença ocular, que o impedia de desenhar ainda jovem, e seu envolvimento com quadrinhos menos respeitáveis, na falta de um termo melhor.
O período em que os dois amigos estiveram separados, cada um mergulhado na mesma agonia de uma forma particular, também é convenientemente retratado. São estes os tempos mais difíceis para Joe, entre as décadas de 1960 e 70, morando na casa do irmão e sobrevivendo como entregador. Essa fase, inclusive, leva a um caso mostrado na HQ que rendeu até mesmo um belíssimo e singelo curta-metragem chamado This is Joe.
A arte de Thomas Campi faz diferença
Um atrativo para qualquer potencial interessado em A História De Joe Shuster é a arte. Thomas Campi é um ilustrador competente e criou um trabalho conceitualmente coerente para a HQ, além de bonito de se ver. A maior parte do álbum, em flashback, tem um estilo pintado, sem traços tradicionalmente marcados. O início e o final do álbum já tem desenhos mais convencionais, representando o tempo presente do protagonista neste recorte de sua vida. Uma opção simples, mas bastante eficiente para a impressão de nostalgia.
Campi também acerta nos rostos, sem atrapalhar-se com sua própria estilização. Figuras fundamentais do início da indústria de quadrinhos dão as caras a todo momento, bem reconhecíveis a qualquer fã mais dedicado na pesquisa da época. Até mesmo certas características “diabólicas” da personalidade de alguns são bem exploradas nesta composição.
Em termos de narrativa visual, toda concepção do álbum segue um esquema mais tradicional, evocando uma época mais inocente dos quadrinhos de super-heróis. Embora carregada de drama, a história não se torna pesada demais justamente por essa característica visual. É um caso de parceria muito bem sucedida, com um artista que parece ter compreendido as necessidades do texto, valorizando-o sem sobrepor-se a ele.
Pequenas ressalvas no conjunto
Pelo tema e potencial dramatúrgico dos fatos, A História De Joe Shuster é aquele tipo de trabalho do qual se espera algo acima da média. Os interessados no assunto, pelo menos. De fato, temos aqui uma HQ que se destaca e é um dos melhores lançamentos do ano, mas alguns pontos precisam ser observados na avaliação. Julian Voloj foi extremamente feliz na elaboração de quase todo roteiro, evitando problemas comuns de biografias em quadrinhos, mas acaba caindo nestes mesmos deslizes ao aproximar-se do final.
Mais especificamente, ao passar da centésima página, parece que as situações vão acontecendo em uma velocidade maior do que a adequada. Passa a impressão de que lembraram subitamente da quantidade limitada de páginas e ajustaram de alguma forma a partir dali. Muitos leitores já sabem onde essa história termina (se você não sabe, não estamos falando da morte dele) e em qual ano ocorreu, uma consciência que, ocasionalmente, nos faz prestar atenção em quantas páginas ainda restam para costurar os acontecimentos.
Exatamente por conta desta aparente pressa, o “final” da luta travada pela dupla mostrado no álbum desperdiça o potencial catártico contido na realidade. Voloj apresenta o derradeiro ato no didatismo comum da grande maioria das biografias deste tipo, deixando escapar a bela representação dramática com a qual iniciou a HQ. Para efeitos de comparação, o relato sobre o mesmo episódio no já citado Homens do Amanhã, que não é romanceado, consegue ser mais emocionante do que o álbum. Realmente, uma pena.
Felizmente, não é por isso que A História De Joe Shuster deixaria de merecer o lugar na estante de qualquer fã do Superman ou de HQ’s em geral. Deslizes à parte, entendemos as dificuldades em trabalhar com esse formato de biografia e os acertos tornam o saldo final mais do que positivo. No final, independente de qualquer coisa, ainda temos a sensação de que a Justiça e a Verdade venceram.
Mais importante ainda é lembrar que essa não é uma história imaginária…