Grandes sagas da Marvel, no sentido figurado e literal
Aproveitando a estrondosa estreia de Guardiões da Galáxia Vol. 2 (leia também a crítica do primeiro filme), explorando mais as aventuras espaciais do Universo Cinematográfico Marvel, nada melhor do que revisitar a fonte das histórias que tem rendido bilhões nas telas, não é mesmo? E como o tema abrange aquele tipo de trama mais ambiciosa da Casa das Ideias, que nem sempre presta, lá vai uma pequenina lista com as cinco melhores e mais marcantes (minha opinião, claro, mas será justificada…) Sagas Cósmicas da Marvel de todos os tempos.
Por Saga Cósmica, vamos estabelecer que são histórias que se desdobram em vários números, envolvendo vários personagens, às voltas com uma ameaça que vai muito além da destruição da Terra. Por isso mesmo, na maioria das vezes, a coisa é resolvida fora de nosso planeta e traz implicações fortes ao seu final.
As fronteiras do Universo Marvel
Quando Fantastic Four #48 foi publicado em 1966, introduzindo Galactus e o Surfista Prateado na rotina do Quarteto Fantástico (aventura que chegou ao Brasil em 1974, em Homem-Aranha #64, da Ebal), os leitores perceberam que os limites daquele universo compartilhado estavam um pouco além do que se imaginava. A partir daí, os roteiristas trataram de expandir consideravelmente essa mitologia.
Sobre os Guardiões da Galáxia que vemos nas telonas, muito diferentes da formação original, surgida em 1969 como uma equipe de um século XXXI alternativo, a base foi o reaproveitamento do grupo por Andy Lanning e Dan Abnett, na saga Aniquilação: A Conquista (Annihilation: Conquest), entre 2007 e 2008. Introduzindo novos membros e deixando de lado o conceito de linha do tempo diferente, a nova fase dos Guardiões também não se tornou um best-seller da editora, mas rendeu um grande sucesso nos cinemas. Por isso mesmo é que estamos falando disso agora!
Enfim, chegando às nossas cinco escolhas entre as mega superlativamente grandiloquentes Sagas Cósmicas da Marvel, o critério é a qualidade geral considerando roteiro e desenhos, mas não se pode deixar de incluir um ponto que é um tanto subjetivo: o impacto dramático. Deixando de lado o clima dos filmes, que acerta na leveza, os quadrinhos sempre tentaram ser mais contundentes. Vamos relembrar aqui algumas situações em que personagens morreram e nem importa se ressuscitaram depois, mas se funcionou naquele momento, quando ainda não era uma modinha que ninguém mais leva a sério.
Inclui informações sobre as publicações originais gringas e o ano de lançamento, assim como a primeira publicação no Brasil, considerando apenas as conclusões das sagas, por conta das complicações editoriais do tempo do formatinho. Agradecimentos ao Guia dos Quadrinhos!
(Ah, se você curte listas, confira esta com 10 capas fantásticas e esta com 10 vilões marcantes do cinema)
Preparados? Vamos lá:
5- A Saga de Korvac (The Korvac Saga) – Avengers #173 – 177 (1978) – Grandes Heróis Marvel #14 (1986)
Lembra dos Guardiões da Galáxia originais que citei lá em cima? Aqui eles têm uma participação importante. Michael Korvac, como eles, era de um futuro distante e voltou no tempo, para o presente, com o objetivo de conquistar a Terra. O poder do vilão é constatado pelo leitor no momento que ele mata o Colecionador (personagem vivido por Benicio Del Toro no filme de 2014) incinerado em sua própria nave, sentado confortavelmente na sala de estar de sua casa, no Queens. Quando os Vingadores descobrem o assassino e seu grau de poder, só resta se aliarem aos Guardiões para deter o quase divino Korvac.
Roteirizado por Jim Shooter, Bill Mantlo e David Michelinie, nem parece uma grande história quando resumida em uma sinopse, mas acertou ao investir entre as interações conflituosas entre os Vingadores, além de evitar um maniqueísmo comum neste tipo de narrativa, o que valoriza muito o conjunto. O traço de Sal Buscema é eficiente para a tarefa, entregando um belo quebra das equipes contra o vilão no final. Um dos momentos mais lembrados dos Vingadores, em uma fase que a liderança da equipe estava nas mãos do Homem de Ferro, que entraria em sua fase bebum no ano seguinte.
4 – A Saga da Fênix Negra (The Dark Phoenix Saga) – X-Men #129-138 (1980) – Grandes Heróis Marvel #7 com os três últimos capítulos (1985)
O ponto culminante da parceria entre Chris Claremont e John Byrne (um cara a quem dedicamos um FormigaCast). Eis uma morte cinematográfica dos quadrinhos mainstream. Os X-Men já haviam encarado a dor da perda de um de seus membros, o Pássaro Trovejante, mas o destino de Jean Grey foi um caso à parte. Manipulada pelo Mestre Mental e transformada em Rainha Negra do Clube do Inferno, a ruiva cede ao lado negro do imenso poder da Fênix, consome um planeta habitado e quase mata todos os seus companheiros de equipe.
Restaurada graças ao Prof. X, ela ainda precisaria pagar por seus crimes. Lilandra, Imperatriz de Shiar, exige que ela seja entregue pela ameaça que representa. A solução é apelar para um antigo costume dos Shiar, resolvendo o assunto com uma luta entre os X-Men e a Guarda Imperial. No desfecho original, Jean sofreria uma cirurgia e perderia permanentemente (relativo, né?) seus poderes, mas o editor Jim Shooter exigiu algo mais drástico, culminando no suicídio altruísta da personagem.
A Saga da Fênix Negra continua uma referência de como desenvolver a reviravolta de um personagem ao longo dos meses, já que ela não ficou simplesmente má de uma hora para outra. Tudo bem que a resolução desta disputa era mais localizada nos X-Men, mas o perigo da volta da Fênix Negra era um assunto cósmico. Isso, a excelência na construção narrativa e o impacto do desfecho garantem seu lugar na lista.
3 – O Julgamento de Reed Richards (The Trial of Galactus) – Fantastic Four #242-244, 252-255, 257-262 (1982-84) – Homem-Aranha #68 com os capítulos finais (1989)
Lá vem John Byrne novamente, em mais uma grande momento da carreira, quando respondia por roteiro e desenhos do Quarteto Fantástico. Toda essa história começa a partir de um ataque de Galactus à Terra, colocando não apenas o Quarteto na briga. Com outros heróis no confronto, o devorador de mundos é finalmente derrotado e fica à beira da morte, consumido pela fome. Parece lógico deixar este predador cósmico morrer, não? Mas Reed Richards argumenta por salvar a vida do gigante, apelando para a ética dos outros, que acabam concordando. Galactus parte com uma espécie de gratidão pelos inimigos e existe uma subtrama com a namorada do Tocha Humana, mas não é o que interessa aqui.
Quando o revivido Galactus mata bilhões consumindo um planeta Skrull, Reed Richards é levado a um tribunal cósmico para responder por seus atos. Em uma narrativa que poderia ser usada em uma aula de filosofia ou ética, a defesa do líder do Quarteto é fundamentada na visão de Galactus como uma força da natureza, necessária para o equilíbrio da vida. Em uma virada que lembra as ótimas discussões levantadas em Star Trek: A Nova Geração (veja este TOP 10 dos episódios), o Senhor Fantástico é absolvido. O próprio John Byrne aparece na história como ele mesmo, o artista responsável pelas HQ’s do grupo, testemunhando todo esse processo legal intergaláctico.
2 – A Saga de Surtur (The Surtur Saga) Thor #340-353 (1984) – Thor – minissérie em 06 edições (1988)
Que Jack Kirby me perdoe, mas a passagem de Walter Simonson pelo título do Deus do Trovão é fantástica e se mantém como a minha preferida (me perdoem também Jason Aaron e Esad Ribic…). Como no caso do Quarteto de Byrne, ele acumulou as funções de roteirista e desenhista, delineando aos poucos uma ameaça de respeito, o que não é fácil em se tratando de um ambiente povoado por deuses, não? Simonson, famoso pelas suas páginas “barulhentas”, foi insinuando a chegada do maligno Surtur com a palavra “DOOM” aparecendo como onomatopeia de um som cada vez mais alto.
Com Asgard prestes a ser invadida e toda criação em jogo, a situação coloca Thor, Odin e Loki lutando lado a lado contra um inimigo que parecia realmente impossível de deter. Tudo soa grandiloquente neste épico, recompensando o leitor em cada quadro e culminando com um dramático sacrifício de Odin para resolver a situação. Um evento que não soou nada gratuito, graças à habilidade de Walter Simonson.
1 – A Ameaça Final (The Final Threat) – Avengers Annual #7, Marvel Two-in-One Annual #2 (1977) – Grandes Heróis Marvel #1 (1983)
Em primeiríssimo lugar nesta lista, um dos personagens mais legais do lado cósmico da Marvel tomba nesta batalha. Adam Warlock, criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1967, apareceu brevemente e só voltou na década seguinte como um guru/Messias de uma comunidade jovem. O arco de Roy Thomas e Gil Kane não era particularmente notável e acabou logo, deixando o caminho livre para Jim Starlin assumir o personagem em 1975, conferindo um ar shakespeariano para o atormentado personagem.
A Saga de Magus, como ficou conhecida, colocou Warlock no ambiente certo. Investiu na psicodelia, na discussão da corrupção religiosa, nos conceitos de predestinação e linhas temporais alternativas, criando algo vanguardista para a época. A resolução desta história específica, que me deixou em dúvida se não deveria ser a número um desta lista, forjou uma inesperada aliança com um já conhecido vilão da casa: Thanos.
Terminado esse arco, Thanos estava livre para colocar seus planos de genocídio em prática, ficando como último desafio de Warlock a tarefa de detê-lo. A Ameaça Final levou Os Vingadores, Capitão Marvel, Serpente da Lua, Homem-Aranha e Coisa para o meio deste conflito e expandiu o drama do nosso protagonista. Perdendo seus únicos amigos, Pip e Gamora, assassinados por Thanos, ele perece no meio da história e tem sua alma sugada para a própria jóia espiritual que levava em sua testa. Em paz no idílico interior da jóia, onde reencontrou ex-inimigos que havia matado, Warlock ainda precisaria voltar para resolver sua última pendência antes de descansar para sempre (era o que se pensava na época, lembre-se).
Pode-se dizer que Starlin reformulou Adam Warlock. Foi uma passagem relativamente curta, mas valeu a pena. A Última Ameaça tem o tom certo de urgência de uma ameaça cósmica, um protagonista muito interessante e uma cadeia de acontecimentos que não força a barra em momento algum. Até um personagem urbano como o Aranha não soa deslocado ali, servindo mais como apoio do que força bruta. Sei que a afirmação é subjetiva, mas o final é verdadeiramente cinematográfico. Um dos grandes momentos da Marvel de todos os tempos.
E aí? Gostou? Detestou? Quer Adam Warlock arrepiando no cinema em um futuro próximo? Seria legal, desde que não esperemos algo tão dramático quanto as histórias de Jim Starlin.