Muitos autores já trouxeram sua própria versão do Ragnarok para os quadrinhos
Todas as religiões/mitologias gostam de prever o fim do mundo – um estudo que chamamos de Escatologia. Os gregos tinham um fim (ainda que não tão empolgante), e até o Cristianismo tem o seu apocalipse. Não é tão surpreendente, então, que uma mitologia complexa como a Asgardiana também tenha o seu próprio fim, e ele é o Ragnarok.
Eis um resumo: o Deus Baldur (chamado de Balder, nas HQs da Marvel), considerado invencível e amado por todos, é morto por Loki. O povo de Midgard (nossa Terra) parou de louvar os Deuses, e aconteceram três invernos seguidos, sem verão. Loki liberta seu filho Fenrir (um lobo gigantesco, chamado Fenris nas HQs), aprisionado para que ele não causasse mais destruição nos Nove Mundos, e reuniu um grande exército de gigantes, seguindo com Naglfar, o navio dos mortos, com o intuito de destruir os deuses.
Fenrir engoliu tudo no céu, incluindo o Sol. Os deuses entraram em combate e Thor sucumbiu, derrotando Jormungandr, a Serpente de Midgard (pois ela é tão grande que dá a volta no mundo inteiro). Freyr morreu derrotando Surt (chamado Surtur, nas HQs), assim como Heimdall e Loki. Odin foi devorado vivo por Fenrir, que foi morto Vidar, outro filho de Odin. Midgard foi engolida pelo mares e, como Fenrir engoliu tudo antes de morrer, não havia nada. Porém, Baldur ressuscitaria (longa história) e dois humanos sobreviveriam. O resto do mundo lentamente se restauraria, havendo um novo começo.
Agora, imagine: Você tem nas mãos o Thor. Você não adoraria contar a sua própria versão do Ragnarök? Bom, foi o que pensou Jack “O Rei” Kirby, Walt Simonson e, em menor escala (ele foi editorialmente forçado a isso) Michael Avon Oeming. …e, em uma escala ainda menor, Matt Fraction.
O Ragnarok de Kirby
Kirby utilizou o nome Ragnarok em sua história para apresentar aquele que seria um de seus maiores monstros (e muito mal utilizado): Mangog. Eu já falei sobre ele antes, caso você acompanhe minhas besteiras! Sua introdução foi aqui. Porém, caso você esteja com preguiça de ler, aí vai: Há muitos séculos atrás, uma raça alienígena tentou atacar Asgard, e Odin, em retaliação, matou toda a espécie.
Em sua última cartada, essa raça criou Mangog, ser feito do ódio de todos que foram mortos pelos Asgardianos, e Odin aprisionou a fera e selou. Séculos depois, Ulik, o Troll, encontrou o selo e, já que seu maior inimigo escreveu “não quebre esse selo”… logicamente, ele quebra. Mas logo se arrepende, ao perceber que Mangog pode ser o fim de tudo. Odin está no “sono de Odin”, onde ele dorme para recuperar as forças e não pode ser despertado. Loki se aproveita da situação, tomando o trono para si.
Quando Thor finalmente retorna (pois estava na Terra), encontra seu reino em caos. Todos desesperados, pois Mangog destruirá tudo. Loki, em sua arrogância, não percebe o risco que realmente correm, e manda os guerreiros Asgardianos lutarem. Thor e os Três Guerreiros conseguem apenas segurar Mangog, nem chegando perto da vitória. O objetivo da fera é alcançar a espada de Odin, uma espada gigantesca e, com ela, destruir o universo (porque razões).
Mangog é implacável, forçando Loki a fugir do trono. O monstro, por fim, chega até a espada de Odin, e Thor a utiliza para despertar seu pai, que revela que o monstro era, na verdade, uma prisão, onde todos da raça estavam presos, vivos (eu não nomeio a raça porque: eles não são nomeados ao longo da história).
Claro que esse não era o fim de Mangog e, muitos retcon depois, ele retornaria, sempre para atazanar Odinson.
O Ragnarok de Simonson
Walt Simonson escreveu aquela que é considerada a versão definitiva do Deus do Trovão. Seu amor pela mitologia nórdica se torna visível ao explorar os bastidores do poder de Asgard, enquanto Thor tenta se estabelecer na Terra. Não entrarei mais em detalhes sobre essa fase, pois você pode ver (caso não tenha visto ainda) aqui.
O Ragnarok de Simonson tem como foco Surtur, o gigante de fogo e senhor de Muspelheim, o mundo de fogo. Por diversas edições, ele é visto forjando uma enorme espada chamada Crepúsculo, a Espada da Perdição, e culmina – adivinha – no arco Ragnarok. Seu exército marcha até a Terra, com o intuito de ir até Asgard, recuperar a Chama Eterna (roubada por Odin), banhar a espada nessa chama e destruir tudo (porque razões).
Thor reúne aliados e inimigos para enfrentar esse desafio, e deixa Odin sozinho em Asgard. O que ele não esperava é que esse era o plano de Surtur, que consegue chegar na Terra dos Deuses, derrota Heimdall (o único outro Deus que permaneceu), enfrentando o Deus caolho sozinho. Bom, não sozinho, pois Thor vai ao seu auxílio.
Assim como Loki! Juntos em batalha novamente, Odin, Thor e Loki conseguem afastar Surtur da Chama Eterna, e Odin entende o que deve ser feito: ele se sacrifica para que o gigante de Fogo nunca se aproxime de Asgard novamente, permanecendo em batalha com ele pela eternidade… ou, pelo menos, até que eles desse um jeito de faze-lo voltar.
O Ragnarok de Oeming
Oeming não teve lá muita escolha ao escrever sobre o Ragnarok (Thor estava com uma vendagem baixa, e os Vingadores iriam passar por uma reformulação gigante, que foi o Vingadores: A Queda). No entanto, ele o fez até muito bem. De todos, seu Ragnarok é o mais parecido com o “original” – e ele até mesmo justificou os Ragnaroks que o antecederam…
Odin tinha perecido confrontando Surtur, e Thor, sendo seu filho primogênito, recebeu a “Força Odin”, e se tornou o Deus de Asgard. Após um longo (e estranho) arco em que Thor se casa com Encantor, e tem um filho chamado Magni – que se revolta contra o pai, que quer dominar a humanidade (yup, aconteceu tudo isso) – Thor volta no tempo e desfaz toda essa zona… mas no processo, perde a Força Odin.
Quando o Deus do Trovão e os outros Asgardianos visitam o enterro de Eitri, um anão forjador, Loki chega com seus aliados: seu filho Fenris, Ulik, o Troll, e Hyerm, o gigante – todos utilizando armas de Uru, o mesmo metal do que o Mjolnir é feito. Eles conseguem destruir o martelo de Thor, e vão aniquilando os Deuses.
Ao longo das batalhas, Encantor, Fandral, Hogun e Balder vão sendo derrotados. Com a ajuda de Sif, Volstagg e Bill Raio Beta, Thor busca sabedoria em Yggdrasil, a Árvore dos Nove Mundos. Fazendo um sacrifício ainda maior do que seu pai (que perdeu um olho e se enforcou por nove dias), ele entende o que aconteceu e o que precisa ser feito: acima dos Deuses há outros Deuses, chamados “Aqueles que Sentam nas Sombras”, e eles se alimentam das muitas mortes dos Asgardianos.
Odin sabia disso, mas não tinha como quebrar o ciclo, pois sendo um Deus Asgardiano, ele estava fadado a fazer as mesmas ações. Portanto, mandou seu filho a Terra, para que mudasse sua mentalidade, e se tornasse mais do que um Deus Asgardiano; que fosse também um homem, e ganhasse nova perspectiva.
Thor, agora possuindo a Força Odin por ter se provado digno dela, destrói o exército de Loki, e permite que Surtur ataque Asgard (exceto Bill, pois é um alienígena) e, subsequentemente, que ele destrua Yggdrasil. Thor então vai até as Norns, que “tecem” literalmente o futuro, e ele revela que a linha utilizada por elas é o que sustenta Aqueles que Sentam nas Sombras.
Os vilões tentam barganhar com Thor, oferecendo um lugar junto a eles. Porém ele rejeita, destruindo a linha e acabando com os pretensos Deuses. Ele, porém, acaba dormindo, enquanto o Universo Asgardiano se desfaz.
Claro que você sabe que esse não é o fim.
O Ragnarök de Fraction?
Cul, irmão mais velho de Odin, ressurge e lança diversos martelos na Terra. Aqueles que são dignos dele, se tornam seus guerreiros. É revelado que Cul é a “Serpente” – tipo, a Serpente de Midgard. Odin revela a Thor que a única forma de derrotá-lo é com a Espada de Odin, cujo verdadeiro nome é… Ragnarok!
No final dessa (horrível) história, Odinson e Cul aparentemente morrem em batalha, e o Deus do Trovão é substituído por Tanarus, Deus Celta do Trovão… Mas isso é história (ruim) para outro dia.
O Ragnarök de Aaron?
Jason Aaron, roteirista atual do Deus do Trovão, está escrevendo uma história chamada “A Morte do Poderoso Thor”… porém, possivelmente será a morte de Jane Foster, a “Thor” atual, depois que Odinson descobriu ser indigno de carregar o Mjolnir. E será uma referência à história clássica de Kirby, pois Mangog está indo para Asgard. Para maiores informações… bem, você terá que voltar depois.
O filme? O filme bebe um pouco de cada uma das histórias. Elementos tanto de Simonson (como o visual de Surtur), quanto do Oeming (Mjolnir ser destruído), estão presentes. Ragnarok é como escrever histórias de futuro distópico nos X-Men, ou contar a origem do Batman: todo roteirista quer deixar sua versão. Que não necessariamente é a melhor…