A Liga da Justiça DC inspirou inúmeras outras versões em outras editoras, e até mesmo no desenhos animados
Ali no final dos anos 50, os quadrinhos de super-herói ainda viviam uma draga que só vendo. Com vendas baixas e custos altos, eles não conseguiam se estabilizar muito bem. Isso porque eles haviam acabado de fazer o seu retorno, após um longo hiato fora do grande radar do público devido a idiótica caça às bruxas promovida pelo infame Comics Code Authority, com a publicação do Flash (Barry Allen) na revista Showcase #4 de 1956. A revista fez bastante barulho no período, e muitos consideram (embora não este que vos escreve) que ela tenha inaugurado a chamada Era de Prata dos quadrinhos.
Mesmo assim, a coisa não ia muito bem. Era preciso algo chocante, espalhafatoso, que chamasse a atenção dos leitores novamente para os heróis. Felizmente, o cara responsável por criar – assim como revitalizar – o Flash e inaugurar a Era de Prata, Gardner Fox, também foi responsável por o primeiro grupo de heróis da história dos quadrinhos, a Sociedade da Justiça.
Dessa forma, sua cabeça genial se pôs a trabalhar, e a solução era óbvia – aplicar esse mesmo conceito, mas atualiza-lo para encaixar nele os heróis dessa nova era. A decisão não foi unilateral da parte de Fox – a própria DC entendia o conceito de “super grupo” como uma ótima oportunidade para introduzir esses novos personagens repaginados da era de Ouro: Flash deixa de ser Jay Garrick para se tornar Barry Allen, como já pontuamos; o Lanterna Verde passa o manto de Alan Scott para Hal Jordan; e novas versões de heróis clássicos que sobreviveram ao Comics Code, como a Mulher-Maravilha.
Entender a história dentro dos quadrinhos do período pode ser meio confusa. Lembre-se que a DC como nós conhecemos hoje ainda não existia no início dos quadrinhos, e muitos personagens que hoje pertencem a mesma casa eram publicados por editoras diferentes. Dessa forma, é preciso lembrar que a primeira equipe a levar esse nome estreou, na verdade, como uma versão da Terra-1 da Sociedade da Justiça (Terra-2), que estreou em All Star Comics #3 (1941).
A equipe estreou em The Brave and the Bold # 28, de 1960, e logo tornou-se um dos títulos mais vendidos da editora. Afinal, o público rapidamente respondeu a uma ideia simples: melhor do que um herói lutando contra terríveis vilões, são vários vilões lutando contra adversários piores ainda.
Fundada inicialmente pelo Caçador de Marte (se você o conhece ainda como Ajax, parabéns, você é velho), Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Jordan), Flash (Allen) e Aquaman, a equipe se reúne pela primeira vez para lutar contra uma estrela-do-mar espacial que queria conquistar a Terra, Starro. Talvez Fox tivesse achado que o Aquaman tinha alguma chance de se tornar o destaque da equipe…
De toda forma, a não-nova versão não-original da Liga acabou se tornando um sucesso imediato. E é claro que, sendo o universo dos super-heróis nas HQ´s aquele que mais leva a sério a máxima de Chacrinha, “nada se cria, tudo se copia”, a super-equipe teria uma cacetada de versões e imitações, de 1960 até hoje. E já que o filme está prestes a estrear (confira nossa crítica e nosso Na Cabine), separamos algumas bem interessantes para você dar uma conferida!
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Quarteto Fantástico
Calma, amigo leitor. Antes de me acusar de consumo de substâncias ilícitas ao colocar a Família Fundamental em um lista de análogos da Liga, é necessário um contexto explicativo bastante simples: o Quarteto, ergo também toda a Marvel Comics, não existiriam sem a Liga. Conforme descrito inúmeras vezes pelo próprio Stan Lee, foi durante um jogo de golfe entre Martin Goodman, então cabeça da Marvel, e Jack Liebowitz, da DC, que o primeiro soube da extensão do sucesso do novo título da concorrência.
Correndo para tentar morder um pedaço dessa fatia que surgia, Goodman teria pedido a Lee – que, segundo ele mesmo, estava prestes a abandonar os quadrinhos na época – e Kirby, a máquina de criar quadrinhos épicos, para criar a própria versão da casa de um super-grupo de heróis. O resto é história.
Eles não apenas o fizeram, como no processo subverteram praticamente tudo o que se entendia por quadrinhos de super-heróis no período, criando um título que seria a base para praticamente todo o novo universo Marvel. Metade dos coadjuvantes, vilões e entidades que povoam hoje a Casa das Ideias saíram inicialmente das páginas do título dos Imaginautas, onde Lee e Kirby elevaram a prática dos quadrinhos para um novo patamar.
Portanto, fãs da Marvel, lembrem-se sempre de prestar o devido respeito a equipe da concorrência, assim como ao sr. Fox.
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Os Vingadores
Embora o Quarteto tenha sido criado como uma resposta editorial ao sucesso da Liga da Justiça, sua versão análoga na Marvel só pode ser entendida na figura dos Vingadores. A super-equipe da concorrência surge em 1963, quando a editora já tinha algum corpo de personagens para poder reunir. A premissa é a mesma – heróis unidos para enfrentar ameaças que, sozinhos, eles seriam incapazes de lidar.
Entretanto, sua história de origem segue o mesmo padrão de oposição à DC que todo o resto seguia: enquanto a Liga da Justiça havia surgido para enfrentar uma ameaça cósmica e salvar a Terra, os Vingadores surgem brigando feio entre si.
Você conhece a história – Loki manipula o Hulk, os heróis saem no braço antes de descobrir a verdade, e depois derrotam o vilão. Mas é importante ressaltar que os Vingadores nunca foram uma equipe estável e coesa; enquanto membros clássicos da Liga sempre estão por lá – Super, o Morcego, Lanterna, J´onn, etc. – nos Vingadores a coisa é muito mais instável.
Embora a base clássica seja formada por Capitão, Ferroso e Thor, é praticamente impossível ver os membros clássicos – salvo em raros momentos, todos reunidos, ressaltando sempre aquele ideia de que os heróis são seres humanos, e como tais, vivem arranjando picuinhas entre si; ao contrário dos então onipotentes e quase perfeitos heróis da DC. De toda forma, do mesmo jeito que a Liga permanece como um agrupamento de heróis seminal, os Vingadores nunca ficaram muito atrás no imaginário popular.
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Esquadrão Supremo
No final dos anos 60, o caldo começava a entornar de novo para os quadrinhos. Aquelas ideias inovadoras que reaqueceram o gênero no início daquela década haviam se tornado modelos engessados, e autores tinham dificuldades em criar em cima deles. Aí surgiam algumas estratégias que, no fundo, eram meio óbvias.
O inquieto e genial Roy Thomas decidiu, em 1969, dar atenção para um dos desejos primordiais da então primeira geração de fanboys adversários de Marvel e DC: quem levaria a melhor num confronto direto entre Liga e Vingadores?
Bom, se dependesse da DC, a pergunta continuaria no ar. Só não jogaram Roy Thomas para fora da editora porque ele não esteve lá de fato. Mas negativas nunca impediram esse genial autor, e contando com a colaboração do lendário Sal Buscema, ele deu sua própria solução ao problema: criou um grupo de inimigos dos Vingadores chamado Esquadrão Sinistro, composto por óbvios análogos da Liga.
Aparecendo pela primeira vez em Avengers # 69 no mesmo ano, a história mostra o Grão-Mestre criando o grupo para destruir os Vingadores. Eles são derrotados, claro, e vida que segue. Mas Roy Thomas aparentemente gostou da experiência, e o grupo retornou em 75, agora como heróis da Terra-712 do Multiverso Marvel, rebatizado de Esquadrão Supremo.
O super-grupo pastiche/homenagem da Liga da Justiça iria permanecer no imaginário da Casa das Ideias, eventualmente pipocando em histórias do Vingadores, e até mesmo ganhando versões de si em minisséries próprias – sendo talvez a mais conhecida a minissérie para a linha Marvel MAX, Poder Supremo, de J. Michael Straczynski e Gary Frank.
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Grande Sociedade
Ainda na barca de imitações da Liga da Justiça feitas pela Marvel, uma menor, mas ainda assim interessante. Durante os eventos que levaram a mega-saga recente Guerras Secretas, os Illuminati, super-grupo formado pela elite intelectual da Marvel, foram até a Terra- 4290001. Eles estavam lutando contra as incursões, misteriosos eventos que tinham as Terras de vários universos como epicentro, e que estavam destruindo realidades através do multiverso.
Ali, eles encontram a Grande Sociedade, o grupo de super-heróis responsável pela defesa daquele mundo. Os grupos entram em conflito, pois a única solução (paliativa) encontrada até pelos Illuminati para retardar a destruição da Terra-616 (a Terra onde se passam as aventuras Marvel que conhecemos) era destruir as Terras onde essa ameaça se espalhava antes que chegasse até a Terra deles.
A história escrita pelo bom Jonathan Hickman é interessante, na medida em que a Grande Sociedade é usada como um ideal de esperança e resiliência diante de uma situação desesperadora – características que apenas ressaltam o quão cruéis e mesquinhos os membros dos Illuminati podem ser.
Eles aparecem pouco, mas deixam sua marca. Tomara que a Grande Sociedade siga o mesmo caminho do Esquadrão Supremo, e que possamos ver histórias interessantes sobre eles um dia desses.
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The Authority
Saindo dos pastiches da Casa das Ideias. Dos análogos diretos da Liga da Justiça – ou seja, excluindo o Quarteto e os Vingadores – esse talvez seja o melhor e mais influente super-grupo diretamente inspirado na Liga. Vamos nos privar de entrar em demasiados detalhes sobre ele, pois já o exploramos tanto quanto possível na nossa resenha sobre a fase Ellis/Hitch da HQ.
Mas basta resumir dizendo que, egressos de um grupo genérico da Image, o Stormwatch, Authority colocou os quadrinhos de super-heróis de cabeça para baixo na virada do século passado, apresentando uma visão visceral, proto-fascista e absolutamente direta da Liga da Justiça, mostrando como seria de o lendário grupo de heróis decidisse usar toda a extensão de seu poder de maneira autocrática e unilateral em nome da defesa da Terra.
O resultado final levanta debates políticos e sociais, é verdade, mas é, antes de tudo, uma HQ divertidíssima, com personagens extremamente carismáticos e bem desenvolvidos no texto magistral de Warren Ellis, acompanhados da sempre distante arte de Bryan Hitch.
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Guarda de Honra
Depois da devastação no universo do gênero super-heróico provocada pela obra seminal de Alan Moore, Watchmen, parecia não restar esperanças de qualquer futuro para os encapuzados. Entretanto, alguns vozes corajosas se ergueram contra o manifesto do britânico, saindo em defesa do mito do super-herói. Entre essas vozes, aquela que talvez seja a mais contundente no processo de reconstrução daquilo que Moore havia desconstruído: Kurt Busiek.
O seu próprio manifesto de celebração da figura dos super-heróis tem nome e sobrenome, e é provavelmente uma das melhores coisas já feitas nas histórias em quadrinhos, sem dever em quase nada para os heróis perturbados de Watchmen: estamos falando de Astro City.
Astro City merece um artigo só seu. Mas basta entender que, para reconstruir a figura dos heróis, Busiek colocou todos os heróis mais importantes do mundo – ou pelo menos, seus óbvios análogos – e, a partir de um ponto de vista quase sempre indireto, nós vemos a vida, a importância, o mito e o sacrifício desses super-seres, em prol do bem estar, da segurança e da justiça dos cidadãos comuns, como eu e você.
E se falamos todos os super-heróis, lá estão os análogos de Superman, Mulher-Maravilha, Quarteto Fantástico e etc. Da mesma forma, também vemos os análogos dos super-grupos – assim, em algumas edições podemos ver em ação a Guarda de Honra, a versão de Astro City da Liga da Justiça.
Não dá para entrar me muitos detalhes sobre o grupo, porque eles simplesmente não existem. Astro City é quase sempre uma história sobre os super-heróis, e não de super-heróis. Assim, raramente temos um interação direta e contínua com esses personagens, mas isso é uma decisão deliberada que acentua o seu mito; os heróis de Astro City pairam sobre as cabeças das pessoas como anjos ou deuses. Como mitos.
Astro City é essencial para quem quiser conferir a Guarda de Honra, mas também para quem quer que diga que gosta de quadrinhos.
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Sindicato do Crime
Bom, desnecessário dizer que não iria demorar muito para um super-grupo ganhar sua versão direta antagonista, e foi assim que surgiu o Sindicato do Crime, a versão análoga maligna da Liga da Justiça dentro do próprio multiverso da DC. Se utilizando do conceito de múltiplas Terras – algo pelo qual a DC deve até hoje amaldiçoar a alma de Gardner Fox – o autor apresenta na Terra-3 um lugar onde os heróis se tornaram vilões implacáveis e conquistaram o mundo.
Ultraman – não preciso explicar, certo? – havia ganhado o poder de observar outras dimensões, descobrindo assim a Terra 1, onde habitava a Liga da Justiça. Entediados pela falta de desafios em seu mundo natal, o Sindicato do Crime vai encher os bagos de Superman e companhia na Terra 1, tentando destruir primeiro a Liga da Justiça e, posteriormente, a Sociedade da Justiça da América da Terra 2.
Apesar de derrotados na sua terra natal, eles foram capazes de transportar as duas equipes para a Terra 3, onde os derrotaram. A LJA e Sindicato acabam lutando novamente na Terra 2, após a SJA ser presa. Lá, o Sindicato foi derrotado e preso em um limbo inter-dimensional pelo Lanterna Verde Hal Jordan. Ufa! Deu para entender, né?
O que é importante é que o Sindicato acaba representando uma espécie de parágono da maldade, e um dos maiores desafios para a Liga todas as vezes em que eles resolvem dar as caras – e foram muitas mesmo. O Sindicato é figurinha recorrente nas histórias da DC, eventualmente pipocando nas páginas de grande eventos, incluindo alguns bem recentes, como o arco Novos 52.
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Menção Honrosa – Just-Us League
É besta, mas é engraçado. E como o texto é meu, lero-lero.
Se você nasceu ali na metade dos anos 80 e teve uma infância minimamente feliz, você assistiu Tiny Toons, as versões infantis dos insanos desenhos da Warner Bros. O que você pode não se lembrar é que em 1992 foi ao ar o episódio New Day Class ( Novo Dia de Aula), em que rola uma paródia forte da Liga da Justiça – incidentalmente, propriedade da DC, ergo, também da Warner. Ou seja, carta branca para maluquice.
Na história, após BatDuck (pense nesse nome) – Pluck Duck – e Decoy (Presuntinho, o nome mais cruel já pensado para um personagem) serem ostensivamente aloprados pelos outros membros da Liga por não terem poderes, o vilão Wex Wuthor (eu sei que você já está rindo, mas segure firme), “interpretado” por Valentino Troca-Tapa, se aproveita do fato de todos estarem reunidos no mesmo lugar para roubar seus poderes.
BatDuck fica bem injuriado, afinal, ele não poderia cumprir seu objetivo ao entrar no grupo – aumentar o valor do merchandising da sua marca. Mesmo assim, resignado, ele vai embora.
O vilão quase é bem sucedido, se não fosse pelo fato de que BatDuck acaba voltando para o QG da Liga porque havia esquecido de validar seu cartão do estacionamento. BatDuck acaba sendo crucial para a vitória da Liga sobre o vilão. Ele é celebrado pelos outros heróis, e, como recompensa, recebe um lugar no grupo – como o novo manobrista da equipe.
A nota de curiosidade fica pelo fato de que esse caminhão de besteira é escrito por ninguém menos do que Paul Dini, a sumidade absoluta no que se trata de animações da DC.
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E um esclarecimento final
Alguns amigos leitores podem me cobrar sobre outro super-grupo análogo à Liga da Justiça na Marvel: a Guarda Imperial Shi’ar, visto que seu líder, o Gladiador, é inquestionávelmente uma versão do Superman. Entretanto, o leitor mais atento ou velha-guarda vai lembrar que, se tirarmos por base os outros membros da Guarda, trata-se de uma versão não da Liga, mas da Legião dos Super-Heróis. Assim, fica o esclarecimento.
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