Falamos com o criador de O Doutrinador, Luciano Cunha
O ano é 2013, e as férias de julho daquele ano foram totalmente diferentes do usual. De “Não é só pelos vinte centavos!” a “Não vai ter Copa!”, hordas de manifestantes tomaram as ruas do país reivindicando e regurgitando tudo aquilo que estava entalado na epiglote do povo há 500 anos. Como que por vaticínio, o ilustrador e roteirista Luciano Cunha confeccionou um personagem com a cara do Brasil, com direito a máscara antigás e tudo: O Doutrinador!
Em pleno Inverno Brasileiro (A Primavera Árabe dos trópicos), o Doutrina (já podemos dar um apelido carinhoso, como Bats?) entra de sola no cenário nacional das HQs. E, devido ao seu sucesso, emplacou um filme saído do forno este mês; uma série, prevista para o ano que vem; dois games (board e app) e até uma action figure.
Com tanto interesse em torno do personagem, resolvemos bater um papo com o autor, que falou sobre o processo de criação do filme, a relação com a banda Sepultura e a eminência parda por detrás do personagem, que, pela atual conjuntura em que se encontra o país, terá muito trabalho pela frente nos próximos capítulos da nossa história. Logo abaixo, você pode conferir o trailer do vindouro filme. Formigonautas, com vocês, Luciano Cunha!
Formiga Elétrica- Você influenciou no roteiro do filme ou deixou a adaptação a cargo dos roteiristas?
Luciano Cunha – Estive bem perto de todo o processo pois, generosamente, a Downtown Filmes me chamou para fazer parte da sala de roteiro com mais quatro roteiristas experientes, para que O Doutrinador não perdesse sua essência. Então, toda a mudança girou por esse caminho e aí entram todas as novas camadas necessárias para se criar um protagonista mais denso e empático.
FE – O roteiro do filme difere bastante do da HQ. Acha que isso compromete um pouco ou é bom que seja diferente mesmo?
LC – Sim, exatamente pelas razões expostas acima. Acho que não compromete em nada, pelo contrário. O Doutrinador da HQ acaba sendo um personagem reto, sem camadas. No filme, até mesmo pela dificuldade trazida pela diferença das linguagens, é preciso criar profundidade e empatia com o público que vai ao cinema. Todo o universo do personagem ganha com isso.
FE – Algumas adaptações, como Ghost in the Shell e V de Vingança compilam um, dois ou mais episódios. O filme mescla O Doutrinador com suas continuações, Dark Web e Rastreando Corruptos – Apocalipse BSB, ou segue apenas o enredo da primeira?
LC – É um arco inteiramente novo do personagem.
FE- A camisa com a logo do Sepultura (assim como a do Exploited) aparece na trama e o protagonista a veste. Na festa de lançamento no Cine Joia, você disse, se não me engano, que conversou com Andréas Kisser, e ele aprovou a aparição da insígnia da banda na HQ, não é?
LC – Sim, o Sepultura foi um parceiro muito próximo na primeira edição, aquela que publiquei de forma totalmente independente. Depois, com a entrada das editoras, eles se afastaram um pouco. Mas sou fã e parceiro da banda.
FE – Muitos protagonistas são o alter ego do autor. Monstro do Pântano parecia ser Alan Moore na época, assim como Sandman é Neil Gaiman. Além da indignação do povo brasileiro, o Doutrinador tem muito de você?
LC – Não, acho que não. Só a revolta mesmo. No fundo, sou um pacifista. O Doutrinador é só um escape, uma catarse interior que acabou encontrando identificação com outras pessoas.
FE – Entre muitos veículos, a HQ é citada até no The Guardian, da Inglaterra. Ela chegou a ser traduzida para outros países ou há planos de ser?
LC – Não foi editada lá fora, apesar de ter rolado dois convites. O problema era simples: é uma história com a cara do Brasil. Para um público que não vive nossa realidade de podridão e corrupção, é complicado entender aquilo tudo. E, para fazer certas adaptações que as editoras pediam, ia me tomar um tempo que eu já não tinha, pois estava envolvido com o filme.
FE – Você chegou a ilustrar a HQ do Menino Maluquinho. Conte por favor como foi essa experiência.
LC – Foi mágico! Eu tinha apenas 16 anos, era meu primeiro emprego e já trabalhava com um gênio como Ziraldo. Foi muito importante pra mim esse começo de caminho.
FE – Na HQ, o protagonista (e seu antagonista) é bem mais velho do que o ator escalado, e a história do personagem é mais trabalhada no filme. Acha que isso compromete a narrativa?
LC – O grande desafio, desde o começo, era rejuvenescer o personagem, já que, na HQ, o Doutrinador é um homem por volta de 62 anos. Literalmente, não temos um ator com este perfil no país: um ator perto da terceira idade com aptidões físicas para enfrentar filmagens onde o protagonista se comporta como um vigilante dos quadrinhos. Mas estou feliz com o resultado final.
FE – Além de Dark Web e Apocalipse, vem pintando aí Zonas Autônomas. Você poderia falar um pouco do projeto?
LC – O radicalismo das redes sociais ganhou as ruas e o Brasil está dividido em várias castas sociais. Politicagem rasteira e oportunismo ideológico colocaram brasileiros contra brasileiros, criando vários enclaves que se iniciaram em São Paulo e se espalharam pelo país: áreas de nordestinos, áreas de negros, gays, brancos e empresários, há de tudo!
A sociedade está dividida entre muros e zonas de atuação, com novos levantes acontecendo a qualquer momento. Caos. A tensão é grande. Para piorar, um gay assumido lidera as pesquisas para Presidência da República. Há uma conspiração de enclaves conservadores para matá-lo e o Doutrinador, pela primeira vez, terá que ser o fator de equilíbrio para pacificar a nação. Essa, para mim, é a melhor história d´O Doutrinador. Espero lançá-las no primeiro trimestre de 2019.
FE – A ideia (o título) remete às Zonas de Autonomia Temporária (TAZ), de Hakin Bey (Peter Lamboru Wilson)?
LC – Sim, é por causa de TAZ.
FE – Além do filme, a HQ renderá dois games (board e app) e action figures.
LC – Isso. Todos estão praticamente prontos, e serão lançados à época de estreia do filme.
FE – Quem fará o board game?
LC – Será inicialmente um cardgame, feito por nós, da Guará Entretenimento, e a Editora New Order.
FE- O de App será para Android, iOS… qual empresa?
LC – Pra todos, via Guanabara Games.
FE – As action figures serão feitas por qual empresa, e, além do protagonista, quais outros personagens se tornarão action figures?
LC – Quem está cuidando dos action figures é a Predominium, e, ao menos, por enquanto, só ele.
É isso aí, pessoal. Essa foi nossa entrevista com Luciano Cunha, criador de O Doutrinador. Gostou? Deixe um comentário aí embaixo, e não deixe de compartilhar!