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Sepultura Endurance – Não faz barulho, no mau sentido!

Documentário mostra detalhes da rotina e trajetória do Sepultura – mas não o que realmente importa

Era 1968. Em um mundo binário de ideologias igualmente opressoras, quem erguia a voz para contestar era esmagado sob o peso devastador das circunstâncias. Então, um jovem operário chamado Tony Iommi decidiu que, se ele não poderia falar, sua guitarra falaria por ele. E nunca se ouviu um som tão alto e estarrecedor. Desde a sua criação, o heavy metal é um gênero maldito – nele, só a verdade perdura. E quase ninguém consegue lidar com isso.

Crítica do documentário Sepultura Endurance

Sepultura Endurance

Era 1984. O heavy metal já havia se difundido pelo mundo – muitas vezes, se afastando da sua proposta original. Mas ainda preservava muito da sua essência – denunciar aos berros as chagas do mundo – e somente havia ganhado potência. Inspirados pelo gênero maldito e pelo abominável momento político que o nosso país vivia, dois fedelhos raquíticos de Belo Horizonte, os irmãos Max e Igor Cavalera, decidiram que iam fazer do heavy metal o seu estandarte para denunciar com raiva a realidade do país. Nascia ali o Sepultura.

De lá para cá, o Sepultura se tornou indubitavelmente a maior banda de metal do país, e sem dúvida alguma uma das mais influentes do gênero. O som criado pelos Cavalera junto com Andreas Kisser é um dos mais distintos que existem. Para quem gosta, ouvir Sepultura é sempre uma experiência sui generis – não dá para confundir com outra coisa.

Entretanto, o grande cisma entre seu frontman Max e o resto da banda nunca permitiu com que ela atingisse seu total potencial. Essa é uma história conhecida por todos os fãs desde os anos 90. Muita mágoa, muita coisa mal explicada, um rompimento que criou dois caminhos que nunca mais se cruzaram – de uma banda única, pronta para fazer história, o Sepultura acabou se tornando apenas mais uma.

Exatamente por esse motivo, todos estavam na expectativa de que o documentário Sepultura Endurance, fosse dar mais detalhes, e jogar luz sobre essa obscura história da banda que poderia ter se tornado um fenômeno da escala do Metallica, mas acabou reduzida a sua fiel base de fãs. Entretanto, infelizmente, esse não é o caso.

(Confira também nosso Formiga na Tela sobre documentários musicais)

Crítica do documentário Sepultura Endurance

Apenas um fan service

O documentário, dirigido por Otávio Juliano, não é de forma alguma amador ou incompetente. O projeto foi filmado durante seis anos pelo diretor, que acompanhou a banda em apresentações por países da América do Norte, Ásia, América do Sul e Europa, captando mais de 800 horas de filmagens, e uniu isso a material de arquivo inédito para mostrar a rotina dos integrantes, o processo de criação das músicas, suas relações pessoais, locais relevantes da história da banda, entre outros detalhes.

O problema é que é só isso. O documentário é um imenso fan service cuidadosamente montado para enaltecer a persistência da banda sobre a sua carreira – e, principalmente, para não ofender ninguém. Porque, conforme explicitamente exibido em um recordatório ao término da sessão, os irmãos Cavalera, hoje distantes de qualquer coisa relacionada ao Sepultura, não quiseram gravar entrevista, e o único material disponível sobre eles é aquele de propriedade da marca Sepultura.

Ou seja, o que nós vemos é basicamente aquilo que já havia sido extensamente relatado em todas as publicações específicas no período – Max brigou com a banda porque se envolveu com a então empresária do grupo, houve algumas rusgas públicas, mas todos decidiram botar panos quentes antes que a merda fosse para o ventilador, sujando a todos. E acabou.

A imensa maioria do documentário são takes de shows – alguns clássicos como Refuse Resist e Inner Self são tocados quase na íntegra; imagens da rotina da banda no ônibus – que rende alguns dos pouquíssimos momentos de tensão do filme; e demasiadamente longas partes do documentário dedicadas ao retorno da banda a alguns lugares de origem.

Novamente, o documentário não chega a ser ruim. Mas ele não explica nada sobre o que é realmente relevante e obscuro sobre a história da banda, para quem, como eu, já está entrando na terceira década acompanhando a banda; e também não explica muita coisa para quem não a conhece tão bem ou não a conhece nada.

Crítica do documentário Sepultura Endurance

Grandes homenagens, mas que não contribuem muito

Só o que um estranho tira de Endurance é que Sepultura é uma banda incrível, que tem a admiração e é nominalmente enaltecida por caras como Lars Ulrich do Metallica e Phil Campbell do Motorhead, mas que em algum lugar da sua história se separou e ficou pelo caminho. No lugar de informações, só o que temos são longas lamentações de músicos, jornalistas e produtores de peso sobre como Sepultura poderia ter chegado ao topo, mas sofreu uma reviravolta à lá Beatles, com a qual hoje ninguém, a não ser os fãs, ainda se importam.

O longa ainda perde grandes oportunidades de explorar melhor a trajetória de alguns membros de tempos recentes. Quem acompanhou, sabe que a escolha e adaptação do vocalista Derrick Green não foi fácil. Isso poderia ter sido bem utilizado para desenvolver melhor alguma tensão – mas, novamente, nada. A única coisa no documentário inteiro que realmente parece chamar a atenção é um breve diálogo da banda no seu ônibus, onde o ex-baterista Jean Dolabella reclama das vicissitudes da vida na estrada, e discute com Andreas os prós e contras dessa vida. Mas só.

Sepultura Endurance, apesar de obviamente feito com carinho e respeito aos seus fãs, também é só para eles. O que, no fim das contas, é muito pouco para um fenômeno que um dia arrebatou milhões em shows, rompeu a então intransponível fronteira do equador para os topos do Hemisfério Norte e inspirou dezenas de alguns dos melhores músicos do gênero em atividade hoje.

A sensação é de ser “apenas” um documentário de uma banda meio esquecida chamada Sepultura. E não algo digno das palavras que um dia assombraram os pesadelos de pais ao redor do mundo:

SEPULTURA DO BRASIL – 1,2,3,4!

(Essa crítica foi escrita – apropriadamente – ao som de Beneath the Remains).

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