Sim, Watchmen ainda rende (muito) assunto
Para aqueles que admiram a obra de Alan Moore, mesmo naqueles recortes que ele mesmo renega por suas rusgas com a grande indústria de Quadrinhos, não é incomum encontrar alguma análise mais ou menos que recente que acrescente algo. A quantidade de camadas em quase todos os trabalhos do barbudo é impressionante, dando bastante trabalho a quem se dispõe a uma análise embasada, como o fez Gian Danton em Watchmen e a Teoria do Caos.
A pequena edição, de menos de 100 páginas, da editora Marca de Fantasia, pode passar despercebida pela maioria dos fãs, mas vale muito o tempo de qualquer pessoa que deseje ir além da simples leitura escapista. A pesquisa já tem um bom tempo, pois foi lançado em 2005, e, de lá para cá, surgiram um sem número de trabalhos acadêmicos sobre os principais trabalhos seminais dos anos 1980, muito disso motivado pela popularidade de HQ’s que viraram filmes na primeira década do século XXI. Watchmen é um desses casos, juntamente com outra obra do autor, V de Vingança, igualmente renegada por ele.
E em 2020, para o fã hardcore que consome esse tipo de material há anos, existe algo que ainda possa interessar nesta seara? Com certeza, pois não dá para subestimar a profundidade da metaficção proposta em Watchmen, cujo enfoque no mesmo tópico pode abrir caminhos diferentes para os pesquisadores, lembrando uma projeção de geometria fractal. Este, aliás, um detalhe bastante importante para a condução do raciocínio de Gian Danton.
São inúmeros aspectos que poderiam ser propostos para esmiuçar a HQ e o título da edição deixa claro por onde vai seguir. Mesmo que a ideia pareça óbvia, ou seja, mapear a onda de caos que percorre o roteiro e causa desdobramentos que parecem inesperados para olhares que não abrangem o cenário inteiro, existe bem mais explanação para leitores cabeçudos refletirem e aumentarem sua compreensão dos conceitos propostos por Moore. Mesmo discordando da análise ali contida, existe um caminho bastante fértil para pensar o acabamento textual da obra.
Laplace X Maxwell e outros antagonismos
Por exemplo, o determinismo de Pierre Simon Laplace é incorporado pelo Dr. Manhattan enquanto personagem, personificando uma auto imagem paradigmática da ciência como ideia geral. No que poderia passar apenas como uma pequena referência, o autor propõe existir a exposição das próprias crenças de Alan Moore como pensador. Ainda corrobora essa visão com a oposição do personagem com Ozymandias, que representaria as ideias de James Clerk Maxwell, com hipóteses que questionam a segunda lei da termodinâmica.
Assim, duas forças opostas se colocam frente a frente e quem conhece a HQ já deve ter posto seus neurônios para funcionar, raciocinando bastante sobre essa proposta. Se esta mera arranhada já despertou seu interesse, imagine com o livro em mãos. E os choques ainda vão além, opondo a geometria euclidiana com a fractal, uma ideia que faz parte do arcabouço conceitual do roteirista britânico.
Ler Watchmen e a Teoria do Caos hoje em dia, mais de trinta anos depois do lançamento da HQ, é mais do que prazeroso. Não só por nos lembrar de várias coisas que esse roteiro tem de especial e que ainda são impressionantes, mas também porque é um tempo muito melhor investido do que assistir/ler qualquer derivado, seja adaptação, continuação ou prelúdio, que a grande indústria empurre na goela do público, em um ambiente em que o barulho em rede social é mais importante que a qualidade.
Também serve para nos lembrar de uma época em que essa mesma indústria ousava, mas seus caminhos posteriores dificilmente seriam previstos por uma inteligência laplaciana. Mesmo considerando as variáveis de Maxwell…