Esquadrinhando um duplo-assassinato impactante com Suzane: Assassina e Manipuladora
Questionado na Justiça pela própria Suzane e pela internet em seus “tribunais de redes sociais”, Ulisses Campbell traz um relato assustador sobre um dos crimes mais chocantes da história brasileira recente no livro Suzane Assassina e Manipuladora.
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À sinopse: Suzane Louise von Richthofen tornou-se conhecida nacionalmente por confessar que planejou para que seu namorado, Daniel Cravinhos, juntamente com o irmão, Cristian Cravinhos,matassem seus próprios pais, Marísia e Manfred, em 2002. Depois de três anos de pesquisa, entrevistas com quase 100 pessoas envolvidas de alguma forma com o trio, também com Daniel e Cristian Cravinhos, além de estudar laudos, processos e depoimentos, o jornalista Ulisses Campbell recriou os passos dos assassinos antes, durante e depois do crime que chocou o país.
Suzane Assassina e Manipuladora é uma mescla entre funcional, novidades e o quase datado. Mesmo em sua primeira metade em que requenta fatos extremamente conhecidos como a relação abusiva entre Suzane e Daniel, a relação intrafamiliar fria dos Richthofen, ou a motivação de cada um ao crime, há pouco a ser explorado São 18 anos em que esses assuntos são mastigados com frequência pela mídia e nestes momentos, pouco causam a não ser lembranças da época ou de outras reportagens, mas a escrita ágil de Campbell auxilia como suave compensador. Talvez por essa morosidade inicial o jornalista leve menos de 25 páginas para descrever o crime em detalhes fortes e extremamente violentos. São três páginas extremamente dolorosas de serem lidas e que transmitem todo o sofrimento do casal Richthofen com uma intensidade peculiar. Há neste trecho a necessidade de lembrar ao leitor quão o duplo homicídio foi pesado e assombrou a sociedade no início do século XXI para aí sim destrinchar os acontecimentos anteriores ao assassinato com calma ainda que sejam apenas mais do mesmo. Isso muda a partir da segunda metade da obra, quando os irmãos Cravinhos e Suzane vão para as penitenciárias. Então os detalhes são esmiuçados e muitas novidades do pós-encarceramento vêm à tona.
Citando a jornalista Marília Scalzo quando disse que “jornalismo não é literatura. Quando arrisca ser, arrisca-se soar como mera ‘literalice’”. A grosso modo, é possível ver que nos primeiros capítulos de Suzane o autor quase torna o livro um erro crasso ao focar na não-linearidade dos fatos e uma novelização excessiva de pessoas reais. Felizmente, Ulisses Campbell reencontra um caminho mais equilibrado a tempo, ainda que peque constantemente em uma artificialidade dos diálogos. Falta organicidade e fluidez nestes momentos, onde conversas muitas vezes decisivas parecem ode à novelas mexicanas.
Signos
Importante notar como a linguagem do livro é simples. Os Signos (relação entre Significante e Significado das palavras) são utilizados de maneira primária e didática de forma complementar. Se houver algo complicado demais ou de conhecimento restrito, é explicado para o leitor logo em seguida. Essa facilidade nas descrições é utilizada nos momentos de maior impacto da obra quando se vale de digressões não tanto como fator de respiro à história, mas como situacional perante a ambientação de Daniel, Cristian e Suzane na cadeia, mostrando que mesmo o crime cometido pelos três sendo abjetos, há outros tão terríveis que aconteceram muito antes e quase ninguém conhece. Chega a impressionar a frieza do senso de recomeço que algumas pessoas têm depois de matar filhas, amantes, maridos, estuprar meias-irmãs e tantos outros. O grau de sordidez também torna impossível evitar algum tipo de reação do leitor. Para bem ou para mal, o livro vai causar algo a ser dito e discutido.
Durante o decorrer da obra é possível perceber o trabalho ativo de humanizar, e de certa forma reapresentar, policiais e agentes penitenciários ao público. Há uma parte extremamente tocante onde Daniel Cravinhos, depois de crises de choro e perda de força nas pernas, só conseguiu fazer sua parte na reconstituição do crime depois que policiais se reuniram e rezaram com ele, assim como é possível rir quando um dos policiais consegue a confissão de um deles e sai gritando pela delegacia como se fosse “final de Copa do Mundo” depois de horas de depoimentos desgastantes antes dos três assumirem o crime. As agentes penitenciárias também são bem retratadas e respeitosamente mostradas como pessoas extremamente determinadas. O medo que elas sentem as afeta de maneira profunda, mas ainda assim, o comprometimento que elas têm é feito com um esmero astuto. Esses momentos reforçam um doloroso pós-crime e que funcionam bem.
Esse cuidado em trazer um ponto de vista mais realista é célere em fazer o mesmo com os assassinos. As dificuldades encontradas por cada um no sistema prisional, os erros e as tentativas de pagar perante a sociedade o mal cometido não serve para diminuir a crueldade ocorrida com Manfred e Marísia, nem mesmo é usado de forma desonesta para suavizar a atitude dos três, mas demonstra em maior ou menor grau, que existe alguma dor e que ela merece ao menos ser conhecida, deixando ao leitor o julgamento moral. Claro que o livro é sincero ao mostrar que esse sentimento de pesar não é generalizado. Suzane, Daniel e Cristian são acertadamente sempre retratados para o leitor como os que procuraram passar por cada uma das agruras posteriores à prisão, arrependidos ou não.
Sobre a indivíduo-título do livro, é importante reparar como ela se reinventou ao sistema prisional por uma questão de sobrevivência já que quem mata pai e mãe tem vida curta nesses lugares. De fato o subtítulo de Manipuladora cai bem a ela e sua apatia deixa qualquer um perplexo, ainda que haja momentos em que se sinta pena. Suzane é uma pessoa descrita como calculista mas redefinida na cadeia de uma forma assustadora. Se existem assassinos seriais americanos reais descritos como sedutores e cativantes, Suzane não fica para trás. É impossível não se sentir envolto pela aura que ela carrega tornando-a ainda mais apavorante com sua psiquê densa.
Isto posto, Suzane Assassina e Manipuladora é, em partes, previsível, por vezes protocolar e de diálogos pouco trabalhados, mas guarda boas cartas na manga não tão conhecidas sobre a parricida. Está longe de ser um guia definitivo sobre o tema, porém é possível ver o trabalho robusto de Ulisses Campbell em sua tentativa de agregar tudo o que viu e ouviu através dos anos, trazendo dicotomia e muitas incertezas enquanto responde outras questões de forma enfática. Elucidativo e simples, detalha de maneira eficaz o mal em cada um dos três criminosos e como a sociedade não esquece e sequer perdoa certas coisas.
E termino esta crítica com um adendo: A arte é um objeto de expressão e quanto fonte informativa, torna-se ainda mais essencial pois além de entreter, pode usar de seus artifícios para trazer à tona questões importantes. Questionar se há necessariedade ou não em um livro como este é querer retirar, em sua base, o direito alheio de conhecer coisas que pessoas dispostas a cerceamentos não aceitam. Até que se prove o contrário, o que existe são livros bons, médios e ruins. A “polêmica” em torno de um caso de interesse público como este é a prova cabal que parte dos brasileiros, além de lerem pouco, sentem uma necessidade vil de regrar este mesmo mercado literário de forma hipócrita enquanto, majoritariamente, só valorizam produções sobre assassinos como Ted Bundy ou Charles Manson.