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Sobre Os Ossos Dos Mortos – O terror na revolta dos animais!

A velhice diante de uma natureza vingativa é o ponto central em Sobre Os Ossos Dos Mortos

Há obras e obras. Existem as que você gosta, outras que lhe entediam, as que provocam ódio, conquistam seu amor e há tudo isso com Olga Tokarczuk neste livro. Agora, como Sobre Os Ossos Dos Mortos pode ser esse amontoado de sentimentos conflitantes e ainda assim ser uma literatura instigante?

Compre clicando na imagem!Resenha de Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk

À sinopse: Janina Dusheiko é uma senhora de idade e que sofre pelo desaparecimento de seus dois cachorros de estimação. No meio de pessoas obcecadas pela caça, ela, uma amante dos animais, será testemunha de uma revolta insurgente vinda diretamente da floresta. Os animais se vingarão de todos que tiram a vida de seus pares indiscriminadamente. Foi publicado originalmente em 2009 e trazido ao Brasil pela Todavia em 2019.

De começo, um aviso: Sobre os Ossos dos Mortos NÃO é para todos. É um livro parcial e que pode causar certo incômodo tanto pelas escolhas narrativas quanto apresentar uma protagonista unilateral e com pontos de vista questionáveis. O fato de haver narração em primeira pessoa só reforça e aprofunda isso.

Apesar da idade (nunca especificada, mas fica claro que passa de sessenta anos), Janina é solitária, forte, independente, com ares de submissão e ao mesmo tempo de personalidade doce e extremada, sendo fascinada por Astrologia e William Blake, poeta inglês que viveu entre os séculos XVII/XVIII. Ela tem camadas que se subvertem e que, aparentemente, foram feitas de maneira pouco diligente por Tokarczuk. São tantas entrelinhas que a impressão que fica é que você está prestes a se perder numa personagem que fascina, mas também te afasta. E isso, à primeira vista, não é nada bom.

Na minha crítica de O Quarto de Giovanni, citei brevemente sobre Determinismo (Grupo de causas e consequências que moldam personalidades e vivências e pontos de vista) como objeto de estudo do livro e em Sobre os Ossos dos Mortos, o que rege é o Determinismo Absoluto (Causa única inicial que consegue nos trilhar para outras causas, mas estas dependem exclusivamente da primeira para serem vividas subsequentemente), que afeta tanto a maneira de ler a obra, quanto a forma da personagem em viver sua vida

Sendo do gênero Dramático, o livro deturpa seus subgêneros como Farsa, Elegia e Tragédia. Também existe Suspense pontual, por isso reconhecer esses elementos não é uma tarefa gratificante, já que são extremamente diluídos, em seu, aparentemente, pior pilar: A digressão.

Digressões são informações que desfocam da história primordial e que podem ou não ter paralelo com a linha central da narrativa. E aqui é usada à exaustão. Toda vicissitude é elevada à outras longas reflexões sobre temas completamente perdidos e inócuos, sem a menor intenção de se interligar à trama. É cansativo e formulaico, se prendendo aos mesmos temas de tempos em tempos. Se não fosse pela narrativa principal que mantém uma promessa interessantíssima, mesmo sendo poucas vezes tratada na história, seria um livro fácil de ser largado. Essa esperança me manteve atento e lendo palavra por palavra, mesmo se tornando cada vez mais vã de encontrar algo que justificasse a premiação da autora com um Prêmio Nobel da Literatura de 2018 (pois, anunciado apenas em 2019, o prêmio havia sido suspenso) e um Man Booker International Prize também do mesmo ano, entre outras inúmeras premiações de anos anteriores.

Como a história se passa na Polônia e na maior parte dos seus períodos a obra aborda o período de nevascas, o clima varia de aconchegante para inóspito de forma extremamente fácil. E aqui se encontra um atrativo do livro que é a variação de ambientação e mesmo que seja segmentado, é possível distinguir os lugares com poucas descrições.

No geral, são praticamente ¾ de páginas forçando o tédio do leitor a cada momento que a autora lhe enrola, com direito a longas estadias em diversos lugares que só invocam mais e mais digressões sobre médicos, ex-alunos, vizinhos, amigos e sobre a própria saúde. Para cada momento desses, inércia, aleatoriedade na escolha dos assuntos e pouco trato do tema principal.

Resenha de Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk

Olga Tokarczuk

Então, por que este livro é tão bom?

Porque ele se presta a recompensar seu ranço e cansaço com algo que todo suspense deveria dar: mistérios e resoluções. E além disto tudo, ao fim do Conflito, a autora nos comprova de forma genial que existem manipulações que são capazes de tirar nossa atenção do foco principal para nos dar um valoroso ensinamento técnico de como conduzir uma narrativa. Como já disse anteriormente em A Garota do Lago, suspense e mistério são as inferências dentro das inferências (também das referências), trabalhando com o que estava bem debaixo dos nossos narizes sem que nos déssemos conta. Em parte, isso acontece porque a Apresentação, Conflito, são mesclados constantemente como parte de uma história de vida, deixando que o Clímax e o Desfecho, ambos muito urgentes, deem o tom

Existe, ao final, uma metáfora sobre envelhecimento. Apesar da obra também falar sobre a falta de respeito com a natureza, é nítido como o conceito sobre a terceira idade é latente. As desvantagens são inúmeras e as vantagens pouquíssimas. E disto, Janina se utiliza tanto narrativamente (com características clássicas de um personagem da Literatura Gótica e de Narrador Não Confiável) quanto nas suas relações com os personagens coadjuvantes. Apesar da conclusão do mistério não ser carregada de surpresa aos leitores mais atentos, o caminho trilhado até ali assusta.

Ao conseguir, deliberadamente, fazer-nos colocar a energia emocional que um livro exige no lugar “errado”, a autora quebra um elo numa corrente viciada que tira o leitor da posição cômoda de observador dos fatos para colocá-lo como partícipe e testemunha das entrelinhas. E tudo isso sem sequer termos a chance de percebermos que fomos, como os animais caçados do livro, atraídos, alimentados e quando menos percebemos, sistematicamente abatidos por um estilo que em nada se importa com onde empenhamos nossa carga intelectual de leitura, utilizando dessa inocência e zona de conforto para nos arrastar ao macabro.

E inacreditavelmente, isto é escancarado nas entrelinhas o tempo todo, mas que pouco damos atenção justamente pela confiabilidade cega que temos na protagonista, que nos permite assistir, aparentemente, as derrocadas de um microssistema cruel sem que sujemos as mãos. Ao fim das contas, ler histórias é isso: a certeza que ao final saímos limpos de todo o pecado cometido, emitindo julgamentos e achismos. Mas não aqui. Se nesta obra não seremos menos culpados que homens, corças, raposas, martas e lebres, será notório que sairemos alquebrados, deliciosamente enganados e vitimados.

Isto posto, Sobre Os Ossos Dos Mortos é uma obra titânica e que acerta em quase tudo. Consegue deixar um gosto amargo da manipulação deliberada, mas, se bem digerido, faz surgir um teor mais adocicado pela coragem da autora em arriscar, tornando o livro uma experiência literária. Com explicações convincentes, exigem o esforço do leitor e de resoluções moralmente complexas. Tem uma imagética bem definida, com uma narrativa inflexível sob a ótica de uma protagonista literariamente rica e extremamente prosaica, que busca o tempo todo criar uma relação próxima do leitor, ainda que inconscientemente. Exige uma segunda leitura mais aguçada, agora com todas as peças à mão para melhor apreciação e, quem sabe, ver o talento incrível de Olga Tokarczuk exacerbar sob outra ótica intensa.

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