O grito poético de Outros Jeitos de Usar a Boca
De onde vem a força de uma mulher? Há quem diga que já nascemos fortes e quem vai nos convencendo do contrário é a sociedade patriarcal. Cabe a nós, mulheres, revertermos essa situação no tempo e por meio do modo que acharmos mais conveniente. A indiana Rupi Kaur recuperou suas forças através do verso. Houve transpiração para buscar a rima, a melhor palavra, a sonoridade e o ritmo. A inspiração, esta que tanto confunde escritores e muitas vezes insiste em não surgir, estava ao lado dela durante todo o processo de escrita de Outros Jeitos de Usar a Boca.
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Publicado originalmente de forma independente e disponibilizado pela Amazon, o livro (que originalmente se chama Milk and Honey) é dividido em quatro partes: A Dor, O Amor, A Ruptura e A Cura. Aos cinco anos, quando deixou a Índia junto com a família para perambular por vários países até se estabelecer no Canadá, Rupi Kaur encontrou no desenho uma forma de conviver com a solidão.
Por não falar inglês, ela acabava isolada na sala de aula e teve que buscar conforto de alguma forma. Cresceu e continuou rabiscando não apenas traços, mas poemas que traduziam suas próprias dúvidas e dores e também refletiam problemas que afetavam as mulheres que a cercavam. Aos alienígenas em forma de humanos que acham que o cotidiano de uma garota de 20 e poucos anos consiste em preocupações com a forma física e o sapato novo, sinto informar que nada disso será encontrado nas páginas de Outros Jeitos de Usar a Boca.
Mas é compreensível a confusão, já que foi no local que mais vive de aparências que o trabalho da poeta e ilustradora ganhou o mundo. Seu perfil na rede social Instagram, onde todo mundo parece feliz e fotos infestadas de photoshop ganham como legenda frases de efeito, Rupi resolveu compartilhar seus poemas curtos e certeiros, que foram de encontro a mulheres de todas as idades e dos quatro cantos do mundo. Das postagens feitas de qualquer lugar para as estantes das livrarias foi um pulo e Outros Jeitos de Usar a Boca tornou-se um sucesso de venda. E isso é uma vitória não apenas para a conta bancária de Rupi, mas para as mulheres do mundo.
Em sintonia com seu público
Um livro de poesia tornar-se best-seller já é um feito. Mas as palavras de Rupi Kaur não são contos de fada. Elas abrem feridas, cutucam nossa zona de conforto e nos convidam a repensar coisas que fazemos no automático. Nossos silêncios que encobrem gritos sem fim e as pequenas violências que permeiam o cotidiano de toda e qualquer mulher, independente de raça, classe social ou grau de instrução se transformam em poemas que tomam apenas um pedacinho da página e o nosso corpo inteiro. A poesia de Rupi, assim como seu traço minimalista, quase um verso extra dentro dos poemas, fica na memória do leitor por dias. Nas leitoras, por uma vida, pois é quase impossível não se identificar.
Nem só de queixas e desafios vive Outros Jeitos de Usar a Boca. Há espaço para o tema mais comum da literatura e que permite vários formatos, ritmos e abordagens: o amor. Todos os amores. Os que surgem ao acaso, os duradouros, os platônicos, ou que começam bem e acabam mal, os que começam mal e acabam bem, os que nunca acabam, os que quase começam. A sexualidade feminina também vira poema e surpreende os desavisados. Não há espaço para o romantismo barato nem para o explícito. É no sutil que mora a sedução de Rupi. É o toque quase imperceptível que arrepia. Dois rabiscos e temos um coração partido. Uma nova curva no papel e temos corpos em brasas.
Rupi Kaur dedica o livro “para os braços que a envolvem”. Ela deve estar falando da família e dos amigos, mas, graças à tecnologia, hoje ela ganha mais abraços, muitos deles de meninas que viram em seus versos um pouco delas mesmas e mais um motivo para acreditar que possuem uma força absurda que, depois de aflorada, nada é capaz de parar. Aos 25 anos, a garota vinda do oriente, um lugar cercado de mistérios para nós, ocidentais, revela que podemos falar, gritar, gemer, sorrir, cantar, provar e beijar sem medo. Nossas bocas desaprenderam a calar.
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