Uma jovem rainha benevolente é acometida de uma doença misteriosa que a coloca entre a vida e a morte. Sua vida se mantém graças a um feitiço que a encerrou em um sarcófago de cristal. Para salvá-la, um fiel cavaleiro partirá com seus amigos em uma jornada atrás de uma pedra mágica, a única esperança de curá-la e salvar o reino de mãos inescrupulosas.
Familiar esse roteiro, não? Essa história seria facilmente criada por qualquer jogador de RPG, mas é, na verdade, a premissa de O Trono de Diamante (The Diamond Throne), primeiro livro da Trilogia Elenium, escrita pelo norte-americano David Eddings e lançada originalmente em 1989. Por incrível pareça, é um sucesso mundial, traduzido para várias línguas e chega agora ao Brasil através da Editora Aleph.
Antes da história propriamente dita se desenrolar, há um prólogo falando sobre um ser deformado que encontra uma pedra mágica e a lapida, construindo anéis que detém seu poder e toda uma saga mítica de perdas e conquistas. É um prólogo tão ruim, tão mal escrito e tão copiado de O Senhor dos Anéis que se a avaliação fosse apenas deste trecho, bem… Digamos que um zero seria justo.
Felizmente, o ritmo muda completamente a partir do primeiro capítulo, nos levando a uma narrativa fluida e bem humorada, apesar de previsível e presa a alguns clichês. Sparhawk é o grande protagonista da nossa história: um cavaleiro pertencente a uma ordem religiosa, os Pandions (semelhante aos Templários), que volta do exílio em um momento delicado politicamente. Com a Rainha Elana morrendo cabe a ele buscar a cura, ao mesmo tempo em que tenta impedir o príncipe bastardo Lycheas de conquistar o trono junto a poderosos inimigos. Acompanhando o protagonista estão seu fiel amigo, uma feiticeira poderosa, um menino ladrão bem esperto e uma menina misteriosa, além de outros cavaleiros e personagens ao longo da história (Sociedade do Anel? É você?).
A narrativa é bastante descritiva, por vezes até demais, todavia apresenta boa fluidez. O autor consegue também construir um universo coeso que apresenta uma ordem historiográfica própria e um complexo esquema político e religioso com base em leis e hierarquias. Não é o tipo de fantasia que apresentará elfos ou dragões, mas a magia e a religião de vários povos – e como essas forças dialogam – são os motores da trama. Uma autêntica aventura na tradição “espada e feitiçaria”.
O que realmente redime a narrativa é a construção dos personagens. Não que não haja falhas, como a ausência de dualidade moral e algumas escorregadas para o caricatural, no entanto, é raro ver um autor explorar tão bem suas criações. Durante a leitura, mesmo em um personagem pequeno, daqueles que aparecem apenas de passagem, você consegue observar nele uma personalidade bem desenvolvida que torna a história mais interessante. Um dos pontos altos é o humor e justamente a química entre esses personagens em especial, que vai garantir a leveza da trama. Outro ponto interessante é a convivência multirreligiosa presente na trama e sua relação de tolerância nesse universo de fantasia.
É uma pena que seja, em resumo, tão previsível e repleta de clichês. Em alguns momentos, até traz a insinuação de alguma reviravolta que colocará os heróis em problemas, mas o que se concretiza é um caminho que, embora longo, se cumpre sem muitas dificuldades. Muitas vezes, inclusive, é até inevitável prever os acontecimentos, principalmente se você souber ligar os pontos certos. Também existe o problema dos heróis estarem, muitas vezes, no momento e no lugar certo, ou algum deles ter justamente a habilidade necessária para determinado propósito. São coisas assim que acabam minando o livro e diminuindo o interesse pela trama. Você percebe inclusive a força que O Senhor dos Anéis exerce no autor, uma vez que existem passagens e pontos da narrativa onde simplesmente enxerga-se claramente essa inspiração.
Talvez a história ficasse melhor condensada em um único volume, ao invés de esticada em uma trilogia. A Aleph já lançou o segundo livro, O Cavaleiro de Rubi (The Ruby Knight) – o terceiro, ainda sem tradução, chama-se The Sapphire Rose. Não é o tipo de obra que prende pela inteligência da história e argumentos fortes, mas se você não se preocupa com algumas conveniências e situações-padrão da narrativa, talvez fique feliz em gastar algumas horas acompanhando essa aventura leve e divertida, apesar de seus defeitos.