O Fim da Infância enfoca a relação do Homem com algo maior
Um dos temas favoritos de Arthur C. Clarke (leia também as análises de As Fontes do Paraíso e Encontro com Rama) é o debate entre religião e ciência. Em O Fim da Infância (Childhood’s End), o autor britânico trata o tema de uma forma levemente diferente, questionando as relações entre os humanos e seres mais avançados, ao invés do foco na existência de um Criador.
O livro, publicado em 1953, começa no período da Guerra Fria e nosso planeta é invadido por naves alienígenas. Mas diferente de Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, a vinda desses extraterrestres, intitulados de Senhores Supremos, é pacífica e – a princípio – benéfica. Diante desse cenário, a Guerra Fria se encerra e o planeta passa a ser governado pelos novos visitantes, o que traz um longo período de paz e prosperidade. Entretanto, os Senhores Supremos não se revelam fisicamente para ninguém e impedem o avanço do programa espacial, gerando desconfiança e resistência por parte de alguns.
Todos os eventos, decorridos a partir da interferência destes seres, trazem estagnação científica e artística à humanidade. Para que investir em pesquisas, se estamos em contato com uma raça alienígena que possui um conhecimento muito maior e pode nos ensinar? Como produzir obras de arte vanguardistas, se as pessoas não sentem mais a ânsia de se expressar? Além destes dilemas, os alienígenas também impedem a humanidade de se arriscar e evoluir. Podemos até mesmo considerar que esses seres onipresentes estão eliminando o livre-arbítrio, revelando qual é o preço da ”Utopia” oferecida. Será que vale a pena viver em um mundo sem caos, ao preço de não podermos errar e evoluir como indivíduos e como espécie?
Profundo, porém deficiente no clima de tensão
Um grande trunfo do livro é ser uma história, essencialmente, de mistério. Enquanto os questionamentos filosóficos são feitos pelo leitor, a narrativa se guia pelo motivo por trás dos alienígenas. O que realmente querem e por que se escondem? Em algumas partes, Clarke até arrisca descrever algumas perseguições e planos extravagantes de alguns rebeldes. Não são passagens ruins, mas percebemos que o autor não consegue criar um thriller digno de tensão.
Talvez esta seja a obra mais soft-science do autor, termo que designa um ramo da ficção-científica menos calcado nos fundamentos da física real. Aqui, diferente de 2001 – Uma Odisséia no Espaço e outros de seus livros, Clarke não está preocupado em explicar a ciência por trás dos eventos, mas descrever um cenário de invasão pacífica, discutindo alguns conceitos de crença e religiosidade. Há até mesmo a existência de personagens sensitivos na obra, o que pode desagradar alguns leitores mais xiitas.
Como em outras obras de Clarke, O Fim da Infância não possui um protagonista definido, o que neste caso acaba atrapalhando um pouco o ritmo de leitura. Há momentos em que o livro se aprofunda em dramas de determinados personagens que, além de não serem interessantes, não possuem muita relevância para a história em si. Enquanto queremos saber o desenrolar de todo o conflito principal, estamos lendo sobre mazelas de coadjuvantes. Sem falar que sabemos que drama não é o forte do autor. Felizmente, isso não exclui o livro da lista dos clássicos de Clarke, mesmo que mais pela discussão em torno das questões apresentadas, do que por sua qualidade literária.