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Maria Erótica e o Clamor do Sexo – Um recorte da censura no Brasil!

Maria Erótica complementa outra importante pesquisa sobre HQ’s no Brasil

Quando se fala em Quadrinhos, se a conversa passear por contextos históricos marcantes, é bem provável ela chegue a um tópico desagradável: perseguição. Os mais versados nos alicerces da grande indústria sabem o que a EC Comics passou na década de 1950, além da própria percepção geral das Histórias em Quadrinhos enquanto mídia de massa. O Brasil não ficou livre de uma situação parecida, cujos pormenores são narrados em A Guerra dos Gibis. O panorama foi expandido com Maria Erótica e o Clamor do Sexo, não por acaso, trazendo o subtítulo de A Guerra dos Gibis 2.

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(Leia também as resenhas de Afrodite, Homens do Amanhã, Marvel Comics: A História Secretaque também ganhou um podcaste Mangá: O Poder dos Quadrinhos Japoneses)

Fruto da pesquisa extensa e minuciosa de Gonçalo Junior, Maria Erótica foi lançado em 2010 pela editora Peixe Grande, do já falecido Toninho Mendes. Na obra anterior, tivemos acesso a informações sobre os ataques que Roberto Marinho sofreu por sua relação com o emergente mercado de HQ’s. Aqui, o evento-chave é o golpe de 1964, que manteve os militares no poder por duas décadas. Nem é preciso discorrer sobre os riscos a qualquer tipo de manifestação artística em um cenário como esse, não é?

O contexto ficou ainda mais interessante com a Revolução Sexual ganhando força naquele momento, antagonizando a turma que queria “moralizar o país”. E os Quadrinhos, onde entram nesta história? Pois bem, além de um mercado imenso para revistas com ensaios de nudez feminina, as HQ’s brasileiras também saciavam um público ávido por conteúdo erótico/pornográfico. Não era exatamente uma novidade, pois os “catecismos” de Carlos Zéfiro já circulavam na década anterior, mas os novos tempos trouxeram um estouro de demanda e oferta.

Tamanho sucesso não passa despercebido pelo poder vigente, especialmente se ele for arbitrário o bastante para mandar no que o cidadão pode ou não consumir. É por isso que Maria Erótica tem no editor Minami Keizi um personagem importante no período. Dono da editora Edrel, de São Paulo, e um empresário muito bem sucedido, ele manteve uma desigual queda de braço com a censura militar. Pouco a pouco, teve quase trinta publicações encerradas por ordem oficial, o que acabou por leva-lo à falência.

Keizi guardou toda a correspondência trocada entre ele e os censores durante o período, deixando um registro valioso. Esse paciente esforço rendeu uma inestimável fonte de pesquisa a Gonçalo Junior, que traz aos leitores de hoje um testemunho que causa revolta. É bom frisar que os militares encrencavam com qualquer representação do corpo feminino, independente de haver sexo explícito ou não no material em questão. Com a evolução dos costumes ocorrendo em quase todo mundo, mais a influência do material europeu sobre os quadrinhistas brasileiros, nada mais natural que estes se sentissem mais à vontade no quesito nudez.

Não apenas um recorte da repressão no país, o livro também revela um momento em que a produção local de Histórias em Quadrinhos era um negócio sustentável para editores e artistas, investindo em vários gêneros. Prova disso é o grupo sediado em Curitiba, onde a Grafipar funcionou entre 1977 e 83. Entre outros, Franco de Rosa, Mozart Couto, Watson Portela e Claudio Seto, que criou a personagem Maria Erótica em sua passagem pela Edrel e trouxe o estilo mangá para o Brasil, protagonizaram este cenário singular para a nossa economia fragilizada. Aliás, foi exatamente esse o motivo do encerramento desta empreitada.

Resenha do livro Maria Erótica e o Clamor do Sexo

HQ de terror com a costumeira carga erótica da época, publicada pela Grafipar.

Esclarecedor e muito bem organizado

Um dos grandes méritos deste livro é transcender o mundo das HQ’s. É certo que a fatia do público que mais pode interessar-se por ele é a mais dedicada aos Quadrinhos, mas ele também é recomendável para pessoas com outro foco. Como A Guerra dos Gibis trouxe conteúdo referente aos bastidores da imprensa brasileira em um período muito específico, Maria Erótica interessa a qualquer um que busque entender o contexto da Ditadura militar no Brasil.

A questão comportamental do povo e suas transformações, entendida através da produção cultural, é outro ponto para estudiosos de outras áreas. Refletir sobre essas ramificações valoriza demais o conjunto, entregando aos leitores bem mais do que eles poderiam esperar pela sinopse na contra-capa e orelhas da edição. E tudo isso escrito de uma forma que não soa didática e não compromete a fluidez ou o prazer da leitura.

Com evidente apelo a um público bem demarcado, Maria Erótica e o Clamor do Sexo joga luz em episódios pouco comentados. São casos que deveriam ser de amplo conhecimento não apenas por aqui, mas mundialmente, assim como os fatos narrados no livro anterior. Como se tudo isso não bastasse, é um texto com quase 500 páginas que soa como peça de resistência em tempos de extremismo boçal.

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